Capítulo I: Gás Lacrimogêneo.

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Isso que dá querer fazer duas coisas ao mesmo tempo... Merda!

Encolho meus ombros, piscando descontroladamente para dispersar as lágrimas, sentindo que a qualquer momento irei desmaiar, ou pior, ser vista por um superior naquela situação.

Isso se eu estivesse perto o suficiente de minha base, para que alguém além de civis, nômades ou bandidos me vissem.

Suspiro, inutilmente passando a palma de minha mão outra vez por sobre minhas pálpebras. A essa altura meu rosto estaria tão vermelho quanto o interior de uma melancia, se minha pele não fosse negra.

O ar abafado e seco desta sexta feira — ao meio-dia em Taraq, me faz cozinhar por baixo de minhas roupas, armamentos de grosso calibre, e toda a parafernália de equipamentos que compõem minha farda.

Apesar de ter pisado na bola, não sou inexperiente, já havia lidado com artefatos daquele tipo algumas vezes — muitas, na verdade; mas depois de um longo e conturbado período em que precisei me afastar de meu trabalho, havia esquecido como se faziam algumas coisas.

Inclusive que nunca, jamais, nem em sonhos deveria tentar usar a porcaria de uma lata de gás lacrimogêneo, sem olhar se a saída de ar daquela merda estava virada para o lado certo, e não diretamente para meus olhos.

Tive uma imensa sorte de nenhum daqueles caras ser corajoso — ou paciente — o suficiente, para querer esperar o efeito do gás passar, ou atravessar a cortina de fumaça acinzentada, para botar as mãos em mim, ou um tiro em minha testa.

Preciso entrar novamente em uma turma de treinamento com gás, senão posso acabar me fodendo mais ainda.

Minha bandana preta está sobre meu ombro, e meu capacete tático se encontra jogado no chão, aos meus pés; que por sua vez se reviram em agonia, dentro da meia rosa com desenhos da Hello Kitty e da botina de cano longo, cor verde musgo.

Ouço passos pesados ao redor, mentalmente me encolho, mas não me importo o suficiente para olhar quem é. Alguém para em minha frente, deduzo que a pessoa é grande, pois conseguiu tapar a claridade do sol que incendiava meus olhos firmemente fechados.

Alguns momentos se passam, nenhum de nós diz uma palavra sequer, e me sinto grata, porém envergonhada. Como um palhaço que recebe milhares de aplausos, vindos de pessoas que riem do quanto ele é idiota.

Estou secretamente esperando um golpe desavisado com meu corpo curvilíneo retesado; quase que temo ser jogada no chão. Cuspo no chão, minha boca completamente amarga, tanto pelo nervosismo quanto pela ação do gás.

Se esse cara for um daqueles de há pouco, já posso considerar a possibilidade de ter que lutar com olhos fechados, e apanhar muito em consequência.

O bom é que sou resistente, posso sobreviver durante um tempo com algumas costelas e talvez um dente quebrado.

Eu chacoalho minha cabeça e me arrependo instantaneamente quando quase caio para trás, recuando alguns passos. Ouço um suspiro pesado de cansaço e supresa, e outro passo em minha direção, uma mão grande agarra meu ombro com firmeza, e me puxa para ficar em uma posição estável.

— Ah, hum... Oi, meu nome é König, precisa de uma ajuda aí?

Um homem, sua voz levemente rouca e estridente tem um tom preocupado, o que me faz pensar que estou pior do que imagino. Suspiro outra vez e arrisco abrir meus olhos, encaro o chão, piscando e balançando levemente minha cabeça, a tontura ameaçando me nocautear.

— Acho que sim, mas pela minha dignidade já tão desgastada, irei dizer que não.

Arrisco uma piada, seguida de um sorriso torto, que mais parece uma careta de desespero.

𝟺𝟾 𝙷𝙾𝚁𝙰𝚂 𝙴𝙽𝚃𝚁𝙴 𝙰𝚂 𝙰𝚁𝙴𝙸𝙰𝚂 𝙳𝙴 𝚃𝙰𝚁𝙰𝚀.Onde histórias criam vida. Descubra agora