Sobre ida e dor

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Caro recém estranho,

Eu acordei e queria poder jurar que tudo isso era um sonho, um pesadelo que minha mente cansada estava criando para me atormentar porque ela conhece todos os meus medos e esse era o meu maior. Eu acendi a luz do quarto, andei até a sala, lá fora estava tudo escuro, chovendo como nunca. Eu voltei e deitei, agarrei meu cobertor e me deixei desmoronar. Quando eu me permiti fechar os olhos todo aquele sentimento me fez parar. Era uma onda de dor que eu só senti uma única vez na vida e quase não consegui suportar. Eu apertei os olhos e senti tudo de uma vez, a culpa, a vergonha, o medo e a dor, aquela dor de machucar os ossos, aquela dor que faz seu coração se encolher até sumir. A dor quebrada e distorcida de ser abandonado. Não era um acordo mútuo, não era uma decisão conjunta, era apenas você indo embora. Indo embora como se nada mais importasse, como se todas as coisas tivessem desaparecido para sempre. Como se de repente, eu estivesse quebrada demais para servir a qualquer propósito.

Eu apertei mais meus olhos tentando pegar minhas lembranças, tentando lembrar de cada momento bom, mas nada disso foi o suficiente. Porque todos os momentos bons estavam cobertos de arranhões da sua partida. Não parecia real. Eu não podia acreditar que fosse real porque você não me deixaria, certo? O que são as promessas, afinal senão eternas? Era apenas um pesadelo bem elaborado pela minha teia de medos. A aranha chamada Pavor me olhava, pronta para me devorar. Minha mente distorcida me sussurrava mentiras para que a dor parasse, mas nenhuma mentira parecia ser o suficiente para pará-la. Ela vinha em ondas e meu coração afundava mais e mais. Mas ele era tolo o bastante para tentar acreditar que eu acordaria, que voce estaria aqui e que a dor nunca mais voltaria. Negar era um veneno que eu tomava em altas doses, ele me faria sangrar até morrer antes de me dar conta de que voce realmente foi. Antes de aceitar uma realidade onde eu fui abandonada de novo, esquecida de novo, não importante o suficiente para ser escolhida e salva. Meu veneno me salvaria antes que eu pudesse ver o quanto quebrada eu ainda podia ser.

Eu apertei meus olhos até doer, eu me refiz, me montei errado, prendi a dor nas minhas entranhas. Eu gritei, eu chorei, eu me culpei todos os segundos de todos esses dias. Mas ainda assim, você não voltou. Eu tentei escrever, tentei criar um plano onde minha total humilhação traria você de volta. Eu tentei dizer para mim mesma ligar implorando para que você voltasse. Queria assumir uma culpa, queria ser a criminosa, queria ser a impostora. Eu seria qualquer coisa pra que nada disso fosse verdade. Eu negaria até o fim tudo sobre quem eu sou pra poder ver você aqui, como sempre. Mas nada disso adiantaria. Porque nada no mundo traria de volta alguém que foi por vontade própria. Era o meu fim, nunca mais seria a mesma.

Com uma incredulidade dolorosa, apenas mais uma estranha qualquer.

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