Sobre ser partida novamente

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Caro recém estranho,

Um problema. Era assim que sempre me sentia. Um enorme problema. Um calo no seu pé, o qual você não conseguia se livrar ao passar dos anos. Eu sempre fui um inconveniente, uma sujeira sob o tapete que você escondia para os outros não verem. Eu passei todos esses anos te vendo como algo incondicional, inancançavel, que eu sabia que estaria comigo, que me salvaria como daquela primeira vez. Mas eu acho que coloquei em você algo demais, algo que nem você mesmo alcançou nenhuma vez. Era somente eu e meu enorme coração, lutando para ter um salvador em minha vida porque eu estava cansada e dolorida demais para me salvar por conta própria. Então, eu dei pra você a chave da minha alma, te disse meus medos, minhas fraquezas, eu deixei você me ver por completo porque você era bom demais para mim, sagrado demais para deixar que toda a minha feiura te sujasse. Eu te disse onde doía porque achei que você consertaria o brinquedo quebrado que eu era porque você era tudo o que eu sempre sonhei. Mas você nunca, de fato, quis me salvar. Você se arrependeu todos os dias de ter feito isso e ter me colocado na sua vida e posso dizer que você não via a hora de me mandar embora com todo o meu amor patético. E você finalmente o fez. Você mandou embora aquela pessoa que ficava agarrada nas suas pernas, esperando, que sentia demais, que falava demais, que era tudo demais.

Eu pensei que teria pra sempre alguém que me prometeu que não me deixaria desmoronar, que eu acordaria e você estaria lá, que nunca me deixaria na mão. Tudo o que eu mais quero é escrever palavras bonitas como sempre, fazer poesia diante desse fogo que queima cada parte do meu coração. Mas tudo o que eu consigo sentir é desespero, culpa e raiva. Você me transformou em uma bagunça, em um caos. Eu me perdi e não consigo me achar. Não consigo saber o que eu sou e quem eu deveria ser, não consigo parar de sentir essa dor infernal que me toma. Não consigo escrever sobre amor e cura porque eu não estou curada, porque cada ferida que você me ajudou a fechar, cada cicatriz se abriu novamente. Agora, eu sou um retalho feio e deformado. Eu sou uma coberta de dores escancaradas que antes estavam costuradas em forma de estrelas. Agora, eu sou um cobertor ambulante que conta a história de cada vez que fui destruída. Mas agora, não sei como me reconstruir. Não sei como correr e me costurar de volta, pois era você que fazia essa parte. Eu sei que você odiava, que você só prometia porque era bom demais para dizer o quanto odiava que eu fosse tão dependente de você. Mas, ainda sim, era você lá, quando eu acordei de manhã, quando eu gritei porque doía tanto que eu não conseguia manter. Você impediu meu coração de cair do peito e costurou ele pedaço por pedaço. Depois, eu não sei se era por pena, mas você fez, e agora você me deixou. Você. Você só me deixou como se não lembrasse. Você só me deixou como se eu não lembrasse. Você só me deixou como se eu não importasse. Você só me deixou como ele me deixou com o antes dele me deixou e como todos deixaram. Você me olhou nos olhos e prometeu nunca deixar, você me prometeu enquanto eu soluçava naquela madrugada e ficou comigo até eu adormecer, você prometeu. Mas agora, eu percebo agora que todas as promessas não valeram de nada porque você nunca pretendeu mantê-las. Você só queria uma desculpa pra ir e pra se livrar do seu maior erro, eu. Eu sempre vou ser o problema e a sua vergonha, mas agora, você se livrou. Você está bem e longe dessa bagunça e estou tentando costurar meu coração de volta.

Com uma fúria desmedida, apenas mais uma estranha qualquer.

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