Sobre amor

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Cara eu do futuro,

Era como se eu tivesse me apagado. Pouco a pouco. Como se cada dia ao passar dos anos eu tivesse tirado um pedaço de mim e escondido. Como se tudo sobre mim estivesse desaparecido e dentro do meu ser só houvesse amor por outros. Eu apaguei meu reflexo no espelho e pus o dele. Eu enfeitei ele com flores e pus um altar como se fosse para uma santidade. E toda vez que eu olhava lá via ele, nunca a mim mesma. Eu abri a torneira, enchi a banheira e lá afoguei todo o amor que tinha por mim mesma. Ele gritou e lutou para ficar, mas eu o segurei mais forte e o matei sem uma lágrima nos olhos. Abri o gás, acendi o fósforo e queimei a casa. Eu era a casa. No fim da minha jornada, eu sentei e fiz dele minha casa. Eu construí minha vida ao seu redor, fiz do meu amor por ele um jardim dentro do meu peito que tomava tanto espaço que não sobrava mais para nada. E assim eu vivi por muito tempo, vendo apenas o reflexo dele, com a vida girando em torno do meu amor brilhantemente deslumbrado. Mas no fim desmoronou e a casa se desfez, o reflexo sumiu do espelho e de repente eu não tinha mais nada para olhar. O jardim era apenas cinzas e mais cinzas de flores mortas sem brilho. E eu vi a minha culpa lá, como uma marca de sangue que não queria sair do meu espírito. Culpa por me amar de menos, me ter de menos e me fazer de menos. Por apagar meu reflexo e me deixar morrer. A culpa era minha no fim por me amar tão pouco, por me abandonar também.

Eu sempre falei que as pessoas iam, que me deixavam, mas nunca percebi que eu me deixei primeiro. Eu afoguei meu amor por mim em busca de outro amor tão raso e simplório que nunca quis lutar como eu lutei por mim. Eu me deixei lá e escolhi nunca me salvar. Porque é mais fácil assim, é mais simples amar outro reflexo e construir sua vida em torno de outra coisa. É difícil demais se encarar,se ver como realmente é, ficar cara a cara com voce de verdade sem se quebrar, sem se odiar. é mais fácil ser partido por outra pessoa porque ela nunca verá quem você é e porque ela não vai ter que te remontar de volta. Ela vai embora e nao te encara nos olhos, ela te quebra sem te ver. Como voce é diferente porque voce encara o seu eu monstruoso, o seu eu pronto para tirar sua vida e voce precisa parti-lo ao meio o olhando despedaçar. Você precisa se olhar enquanto mata uma parte sua para poder sobreviver. Eu escolhi o caminho mais facil porque eu nao queria ver aquela parte de mim, não queria ter que me enfrentar, me escolher, me amar, porque se amar pode ser mais difícil do que qualquer outra coisa na vida.

Eu tenho esperança. Tenho um calor aqui no peito que me diz que você vai conseguir se encarar e não desmoronar. Eu tenho fé, uma fé genuína, que você vai ser tudo o que eu não pude ser. Que você vai construir uma casa de concreto ao seu redor, que vai ressuscitar o amor próprio e fazê-lo sorrir. Que você vai se amar como merecer ser amada. Eu tenho esperança.

Com esperança, uma eu não tão quebrada assim.

Palavras CansadasOnde histórias criam vida. Descubra agora