Boa leitura ❤️

Pov Nicolas

Cruzei a porta de saída e varri os meus olhos pela multidão tentando encontrar meus amigos. Então eu os encontro de longe e corro até eles.

Percebo que Chris carrega Ian nos braços, ele estava com o rosto machucado e ambos estavam com os cabelos despenteados e roupas com manchas de sangue.

-O-que aconteceu??? - pergunto horrorizado e pego Ian nos braços porque parece que Chris não o estava aguentando. Então ele conta o ocorrido e fico mais apavorado ainda. -Isso aconteceu? Precisamos denuncia-los! E você precisa ir ao hospital!!! - berrei me referindo a Ian.

-Nao adianta, nem sabemos os nomes deles e mesmo se contarmos, a polícia não vai acreditar na gente - murmurou Ian com a voz fraca -Sera que eles gastariam tempo, suor e esforço por um casal homossexual? - falou com cabeça baixa.

Chris me ajuda a coloca-lo no carro, eles sentam atrás e eu na frente, vou dirigir.

-Você sabe dirigir um carro? - perguntou Chris.

-Sim, meu padrasto me ensinou quando era mais novo, mas eu não sou profissional, então eu posso cometer uns deslizes - respondi, liguei o carro e dei marcha -Sem pegação aí atrás, por favor.

Tirei o carro da vaga cuidadosamente, ciente do estado de Ian. Só que quase bati num carro, freei rapidamente, fazendo todo mundo pular, o motorista me xingou e pedi perdão.

O trânsito estava caótico, a essa hora, 16:00, todo mundo estava saindo do trabalho, escola, então é um desespero para dirigir. Tive que andar menos que uma tartaruga debaixo de um Sol quente com ar condicionado ligado no máximo, gastando gasolina por causa da fileira de carros que as ruas se encontravam.

Ian e Chris chegaram a cochilar, era tão gostoso ver esses dois dormindo agarradinhos um ao outro. Do tempo que fiquei aqui, vi que eles eram bastante felizes mesmo tendo suas diferenças, mesmo do que aconteceu eles ainda ficaram bem. Claro que às vezes discutiam, mas eles faziam as pazes e ficava tudo bem.

Finalmente chegamos ao hospital, e então acordei eles. Me praguejaram por separa-los e ri deles. Adentramos no hospital e o enfermeiro analisou as feridas de Ian e disse que não era grave e só passar remédio e bandagem ia melhorar. Chris e eu esperamos do lado de fora. Ele estava olhando para a parede, inexpressivo.

-O que aconteceu hoje cedo... Ian está sendo tratado, mas e você, está legal? - assim que falei, ele virou seu rosto para outro lado, mas ele me respondeu.

-Eu já tinha sido violentado, insultado e xingado por ser trans, mas ser estuprado... - estava se controlando para não chorar. Nunca fui estuprado, mas como ele estava falando e agindo naquele momento, deveria ser horrível. - No momento em que aquele rapaz me tocou, eu queria era morrer, o Ian me vendo e sendo violentado então, a vontade aumentou bastante - diz ele trêmulo e com lágrimas caindo dos olhos.

-Qual foi o momento que você se descobriu trans? - queria muito perguntar isso há um tempo, mas não queria que ele me achasse um intrometido e pensei que essa fosse a hora certa.

-Acho que desde sempre, lembro que quando criança eu não gostava de roupas consideradas femininas, gostava de ficar mais com os meninos que as meninas, eu tinha um comportamento nada parecido com o de uma menina. Sempre me olhava no espelho e pensava que estava no corpo errado, mas como eu era criança sabia de nada.
Aí eu cresci, virei pré adolescente, aquela sensação de não pertencer como menina e sim como menino ainda existia e me perturbava. Sofria muito bullying na escola e em casa por não agir como uma garota.
Quando eu fui saber o que era "transexual" era o termo que descrevia aquela sensação. Depois disso eu comecei a me odiar e demorei muito tempo para me aceitar.
E quando me assumi, minha família brigou tanto, mas tanto comigo que me mandaram para a casa de minha avó aqui na Flórida, eu andei de avião de Camberra, Australia para cá.
Aí eu conheci o Ian, sofria bastante bullying, sempre foi gentil e fofo comigo. Com o passar do tempo, como nossa amizade era bem forte, acabei tendo sentimentos por ele. Eu além de trans, era também gay.
Depois de um longo tempo contei para o Ian sobre meu gênero, sexualidade e que estava apaixonado por ele. E depois dele ouvir minha revelação, falou que era bissexual e que me amava também. Lembro que ele ficou tão corado que parecia um tomate. Isso foi há 3 anos e na época nossa amizade era de 1 ano.
Ele foi um grande apoio para eu conseguir me aceitar e sempre me mimava com seus afagos, beijos e palavras doces. O ser humano mais amoroso que conheço.
Minha avó, ao contrário de meus pais, ela me aceitava do jeito que era e me amava de coração. Quando ela morreu, me afundei em depressão e estava perdido.
Mas Ian conseguiu convencer seus pais de eu morar com ele. Seu pai deixou, mas a mãe não. Eles chegaram a se divorciar. O pai dele pode ser bem ocupado mas é bem gente boa.
E quando olho para trás, percebo quão abençoado eu fui, o tanto de obstáculos que atravessei e chegar a uma ótima fase. Hoje estou de bem com a vida, apesar de ainda sofrer de transfobia.

Depois desse relato inusitado, é provável que ele sofreu no processo. É admirável a resiliência dele em relação a esses fatos, o quanto ele foi desprezado mas também amado. Se fosse eu, não aguentaria.

-E aí, fala sua história também - disse ele.

-Bom, eu nasci na favela do Rio de Janeiro, a Rocinha. Meu pai foi embora quando eu e meus irmãos éramos pequenos. Então minha mãe começou a ficar junto com um amigo de infância e então ele virou nosso pai.
Me descobri gay quando criança, depois que um cara forçou eu e outro menino a nos beijarmos. Depois disso, a gente começou a se encontrar às escondidas, por anos. Mas ele foi atingido por bala perdida e na época, eu entrei em depressão severa e fiquei mais magro que esqueleto.
Sempre fui cobiçado pelas garotas da minha comunidade mas eu não me sentia atraído por elas, e se elas soubessem o motivo iam me ver com cara de nojo.
Morar na favela não é as mil maravilhas, sua casa é pequena pra muita gente, quando chove forte desaba tudo. Se você sai de lá e sente saudade são das pessoas, e não do espaço em si. Os PMs entram e aí começa o tiroteio com os traficantes e tem alto risco de bala perdida e morrer.
E mesmo minha vida aqui nos EUA seja boa e confortável, sinto saudades da minha família, do pessoal da comunidade e das lembranças que construí lá. E sei que um dia irei voltar para lá e relembrar todos esses momentos.

Conversamos mais um pouco, então eu vou ao banheiro. Eu passei por um relógio e estava marcando 21:36. Entrando no banheiro encontrei Daniel, meu colega de sala.

Opostos (bxb)Onde histórias criam vida. Descubra agora