Ludovico tinha um método infalível de estar a par de todas as situações que rondavam a Rua Cornélia: oferecia bons doces e uma conversa descompromissada, cheia de arapucas verbais silenciosas, que levavam qualquer um a morder a isca e soltar alguma verdade cabeluda. Ele havia feito isso comigo no dia que me conheceu, e o fazia com todos os habitantes da rua, sem que eles percebessem. Mas, na segunda vez que ele tentou seu artifício ardil, me entregando umas rosquinhas de amendoim e inocentemente comentando do "estranho barulho" que havia ouvido noutro dia, nos fundos da casa dos Padilha, justo quando Léo retornou, percebi algo estranho na sua aura, o que me fez comer as doçuras com certa desconfiança.
Já estava na terceira ou quarta rosquinha, quando a pulga atrás da minha orelha mordeu tão forte que minha cabeça chegou a doer; ergui uma sobrancelha, desconfiado daquela conversinha mansa e despretensiosa, e me limitei a falar meias palavras que não revelavam nada, mas atiçavam piamente a curiosidade do baixinho.
— Sabe que eu não sei? Ouvi dizer que aqui na rua às vezes tem uns barulhos estranhos mesmo — Ludovico coçou o bigodão preto, meio ansioso, batendo um pé no chão freneticamente.
— Bom, eu já ouvi algumas coisas estranhas mesmo, mas nada alarmante. A maioria dos barulhos são os gatos que fazem — ele respondeu, me servindo mais algumas rosquinhas — Mas sobre o som na casa da Dona Ana... Pareciam até uns gritos, sabe?
— Sério? Eu não ouvi nada. Talvez seja... — fiz uma pausa pensativa e olhei os arredores, forçando uma expressão de confusão, o que atiçou ainda mais a curiosidade de Ludo — Não, acho que não.
— O que?
A expressão de Ludovico estava quase desesperada de tão curiosa, com o rosto avermelhado feito um pimentão, o que me fez dar um meio sorriso irônico. Ele havia mordido a isca, no fim, e provaria do próprio veneno.
— Dona Ana comentou comigo sobre uns tais segredos da rua, sabe? Talvez seja um deles — afirmei. Ludo engoliu seco, pensativo, e pigarrou. — Ela disse que tinha um, sobre um moço que ficou tão chocado com um segredo que lhe foi contado que nunca mais conversou normal: só sabia falar aos gritos.
— Não é bem assim — ele afirmou, convicto — Não foi o segredo que o fez gritar, foi o susto. Ele se assustou com algo tão chocante que nunca mais conseguiu falar baixo. O nome dele era Dirceu. Dirceu Ananias. Ele entregava leite de porta em porta, por toda Rua Cornélia. Uma das portas que ele abriu encontrou alguma coisa tão assustadora que nunca mais foi normal.
Dei um sorrisinho simpático e me agraciei por ter conseguido arrancar mais um retalho da colcha de histórias que era a rua Cornélia.
— E o que será que ele viu de tão assustador? — questionei. Ludovico suspirou e deu de ombros.
— Ninguém sabe, só ele. Por isso é um segredo. A gente só sabe o que o povo conta, o que aconteceu mesmo... — ele respondeu. Peguei mais uma rosquinha de Ludovico, apertei seu ombro e agradeci sinceramente pelas informações e pelos doces antes de deixar sua presença e ir para o ponto de ônibus.
Houve um instante de luz inesperado que me acometeu assim que botei o primeiro pé para fora da rua Cornélia, oficialmente, como um clarão instantâneo que não dura mais que o suficiente para ser percebido. Uma mente distraída, como a minha, não teria se dado conta do acontecimento, não fosse o fato de que, justo naquele fatídico dia, havia esquecido os fones em casa, então minha atenção estava redobrada, buscando por resquícios de sons em qualquer lugar, a fim de fugir do silêncio da noite.
Foi como um clique, tão rápido quanto o acender de uma lâmpada, por um instante a noite se tornou dia e tudo se clareou, e voltou a escuridão soturna da noite de verão, repleta de nuvens que prediziam chuva. Olhei para trás e a rua Cornélia se estendia atrás de mim, com os jacarandás farfalhando com o vento, bambuzais se dobrando no extremo distante e algumas poucas estrelas se iluminando no céu, onde havia buracos entre as nuvens. Naquele momento, uma fumaça branca surgiu por trás das árvores, distante e em constante movimento, contornando a extensão da mata e atravessando ao redor das casas, acompanhada de um inconfundível e assustador som de aço se arrastando. Engoli seco, pensativo, e dei um passo para trás, sem tirar os olhos da fumaça em movimento.
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Todos os Segredos da Rua Cornélia
FantasyNum canto qualquer de Minas Gerais, entre morros verdejantes cobertos de mata atlântica, corredores cheios de jacarandás em flor e toda mágica que só poderia ter saído de um sonho, ergue-se a Rua Cornélia, onde senhoras conversam com passarinhos, fe...