Prólogo

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"Nem todas as tempestades vêm para atrapalhar sua vida, algumas vêm para limpar seu caminho."

Quando as primeiras gotas de chuva cobriram as ruas do Brooklyn, gélidas e anunciando mais uma tempestade de primavera, Marvin Gaye completava a nota final da música que Bucky não recordava o nome.

Fez seu caminho por entre as pessoas que começavam o dia em ritmo e atravessou a rua movimentada por motoristas irritados e apressadinhos, um tipo comum naquela cidade, independente da época. E imaginou qual dos artistas preferidos de seu melhor amigo tocaria em seus fones de ouvido a seguir, em um volume obviamente pouco indicado para quem gostaria de manter os próprios tímpanos intactos.

Sendo sincero consigo mesmo, não desenvolvera nenhum gosto específico na área da música, nem mesmo gostava de ficar alheio aos sons que o rodeavam. Porém o intuito de escutar aquela playlist vinha do fato de não querer se sentir tão sozinho naquele momento.

Uma tentativa de conjurar a sombra de uma presença que não estava mais ao seu lado para confortá-lo.

Seu rosto parcialmente oculto pelo capuz do moletom azul escuro que usava, era castigado pelo vento gelado de uma madrugada na primavera de Nova York. Mas não se importou, não de verdade, estava imerso demais nos próprios pensamentos.

Coberto por uma nuvem de melancolia que não iria embora tão cedo.

Na noite anterior em especial, sua mente mais parecia uma sessão cinematográfica das atrocidades que havia cometido ao longo dos anos como o Soldado Invernal. A pior parte eram sempre os olhares antes do fim, o pedido desesperado de misericórdia que não receberia uma resposta.

Uma ideia pior do que sair em meio as multidões teria sido ficar enfurnado em casa durante o restante do dia. Então optara pela opção mais saudável, correr. Sairá antes do Sol sequer nascer, esperando que em algum ponto seu corpo encontrasse a exaustão e talvez por um milagre, seu cérebro também.

Sentia-se fragmentado.

O filho de Winnifred e George Barnes, o irmão mais velho da pequena Rebecca, o melhor amigo de Steve...

Era como tentar consertar um espelho estilhaçado e sangrar por isso, tudo pela chance de vislumbrar a pessoa que um dia fora no reflexo mais uma vez. O garoto do Brooklyn que se sentirá orgulhoso de virar soldado e lutar por seu país ao lado dos companheiros.

Fora trazido de volta como um carrasco, tratado como nada mais que um objeto cuja dor do conserto não passava de um inconveniente. James Buchanan Barnes teve seu nome arrancado de si, suas memórias estilhaçadas até o pó e sua mente...

Sua mente havia sido profanada ao ponto de que se pegava desconfiado se o que o rodeava era real.

A verdade era cruel.

A contagem de corpos pertencia a arma letal criada pela Hydra, mas era Bucky Barnes quem carregaria pelo resto de seus dias os fantasmas das vítimas.

Avistou a esquina que levava a vizinhança onde morava e acelerou o ritmo sem perder o fôlego em momento algum.

As décadas vividas sob treinamentos para aprimoramento de caráter cruel dos cientistas haviam desenvolvido seu corpo para aguentar muito mais do que um humano considerado acima da média poderia.

De forma direta ou indireta, o corpo que habitava carregava as marcas e consequências de tudo o que fora feito a si sem sua permissão. Mas aquele era um pensamento sufocante, que jamais seria dito em voz alta.

O trabalho para curá-lo da lavagem cerebral feita pela Hydra havia funcionado. Jamais seria capaz de retribuir na mesma medida a ajuda que recebeu de Shuri e sua família. Escutar as palavras de ativação do Soldado Invernal sendo ditas por Ayo naquela noite em frente a fogueira, e continuar sendo James Bucky Barnes...

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