peixe palhaço 𓇼

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aviso: ideações suicidas ;

🪸🌊🐠 ・゚🐡🦈🪸

O✶| Aquário da cidade era um dos poucos pontos de turismo local e aos finais de semana geralmente havia muita gente. Fazia um bom período que não voltava a visitá-lo, não me era tão surpreendente, mas para Muriel, quem eu seguia fiel sem questionamentos, como antes, parecia tudo muito fascinante, ou ao menos é a impressão que deixa. Há poucas horas eu havia terminado com meu namorado, passando mal a madrugada toda e entregue as chaves do meu carro pra' uma desconhecida. Já não sei mais o que se passa com a minha vida, estou completamente sem um rumo.

Só seguindo essa "ideia".

Seu vestido balança-se pelo lugar inteiro e nos desviamos de algumas pessoas até que a luz azul nos alcance e temos o vislumbres dos peixinhos. Talvez por estar muito triste aquilo me pareceu emocionante, aquele cenário.

As mãos de Muriel passeiam pelo vidro e seus olhos são enormes e fixos na imagem, ela parece uma completa insana, mas até esta altura eu já não posso julgá-la, já que também me encontro aqui. Busquei por um banco que dê para assistir ao espetáculo de maneira confortável, e assim me faço, quieto.

Não demora muito até que a vejo se juntar as minhas lamentações inconscientes.

Seu joelho se encosta ao meu, e é isto, permanecemos calados, apenas observando águas vivas performarem suas danças abstratas e enigmáticas. — De onde você vem? — As vezes minha mente consegue soar alta e através da eloquência de minha voz. Ganho sua atenção, e sua resposta me recorda do quanto sua voz também se assemelha a um vendaval.

Seus dedos caminham até o cabelo curto e encaracolado buscando uma mecha alheia para trás de sua orelha, devagar, para responder-me — De longe. Agora estou perto.

Meus ombros se movem com o suspiro voltando a questionar — Quão longe? E por que... aqui?

Ela ri — Ó, bem longe, muito longe. Tão longe que de lá eu já nem me conheço. Longe o suficiente para não ser a mesma.

— E era outra? Você se lembra de quem era, lá longe?

Sua cabeça acena iniciando — Huhm. Um homenzinho amargurado. Cheio de dúvidas, medo, culpa, raiva, sabe? Muitas incertezas, começos sem explicações. Ele vivia miseravelmente, carregava a carne que chamava de seu corpo para lá e para cá, o tempo todo. Até que um dia muito bonito, ele resolveu que seria o último, e tentou contra a própria carne, encerraria o próprio ciclo, tal qual esses peixes, uma vida curta e sem muitas expectativas. Mas no caminho até em casa, depois do trabalho, que ele também não desfrutava, começou a chover, e ele entendeu que mataria aquela vida. O homenzinho se matou, e eu nasci.

Meus olhos piscaram — Uma ideia? Por causa da chuva?

Um amplo sorriso se abre, sufientemente pra' que seus olhos se encerrem e continua —... nasceu uma ideia, dentro dele, e cresceu tanto que eu estou aqui, com você. Dei um fim em todas as coisas dele, vendi a casa, o terreno, pedi demissão, e fui embora pra' cá. Porque aqui é longe de lá.

— E seus amigos? — Meu rosto tomba e o cenho se une em automático, de repente me sinto inundado por seu passado.

Seus ombros se balançam, e ela ri sem humor clamando — Não gostaram muito da ideia! Prestei minhas condolências à perda, mas o homenzinho não ia voltar mais e eles teriam de lidar com isso, foi um luto. Deixe-os para trás, e é por isso que estou atrás de novos. Você está sendo a primeira pessoa com quem falo.

Meu corpo de repente se sente pesado, um desagrado de meu papel nesta narrativa — Desculpe por não ser interessante o suficiente para lhe dar as boas vindas ao mundo. Mas se quer saber, é melhor se preparar, nascer é meio complicado.

ÁGUA VIVA ✧ ᴹᶦⁿˢᵘⁿᵍOnde histórias criam vida. Descubra agora