• prólogo •

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- Eu mandei abaixar. - Uma das mãos da delegada se ergueu, avisando que a equipe esperasse. A outra, empunhava o revólver na nuca exposta do homem de costas a ela, obedecendo sua ordem de se ajoelhar. - Pego em flagrante. Achei que você fosse ser mais esperto... mas o que esperar de um rato, afinal ? -

- Você está longe de me pegar, desista. -

- Cala a boca. - Soraya Thronicke, responsável por derrubar uma das maiores redes de crime organizado, a nível federal, não estava exatamente satisfeita com a forma que tudo se resolveu. O rastro deixado por crimes assim, era preto como petróleo, mas, assim como ele, era bem escondido no pré-sal. Por mais que gostasse de entrelinhas, ela estava interessada no grande título dessa vez. Andava pelas sombras, mas se arriscaria a dar um passo pela luz, se isso significasse a clareza de suas ideias.

Olhando ao redor, e minando qualquer ameaça evidente, indicou com o queixo, sem sequer olhar o restante da equipe adentrando a sala de reuniões da boate clandestina de prostituição. Por se tratar de um grande esquema, não era apenas uma das cabeças que deveria rolar. Por isso, a sensação de vê-lo algemado, não lhe trazia alívio. E, sim, intriga.

- Sem entrevistas. Não quero saber de imprensa, escutou ? - Soraya encaixou sua arma no coldre, séria. Seu trabalho naquela noite havia finalizado, sem a menor previsão de acabar durante a madrugada.

- Pode deixar. - Um dos policiais assentiu, saindo pela porta da frente do estabelecimento e avisando da decisão da delegada. Ela, saiu pela porta dos fundos, do lado oposto de qualquer burburinho. Era uma equipe competente, mas, a imprensa consegue distorcer qualquer informação.

[...]

- Foi uma prisão e tanto. - O investigador, responsável por grande parte do processo, estava de ego inflado naquela madrugada, esperando os elogios ao ver a delegada retornando.

- É o meu trabalho. Não é como se eu precisasse de uma medalha por limpar a sujeira dos outros. - Soraya respondeu, soltando os cabelos do rabo de cavalo. Não gostava da atitude arrogante daquele homem, nem durante o dia.

- Está naqueles dias, doutora ? -

Um esboço muito fraco de sorriso se fez nos lábios finos da delegada, cruzando os braços e encostando o quadril na própria mesa, se apoiando. - Engraçado, desde que te conheço, você tem sido desagradável. Devo culpar seus hormônios, também? -

Por pior que fosse, não esbravejaria em cima dela. Conhecia os olhos castanhos de onça-pintada. Não queria se familiarizar com o toque das garras. Conteve-se em sair da sala, batendo a porta.
Ela agradeceu internamente a ausência de companhia. E torceu para que permanecesse daquela forma pelo restante da noite.

- Boa noite. Boa noite. - Carolina Ramos, a perita criminal, adentrou a sala.

- Quase dia. - Soraya cumprimentou e olhou o relógio no braço, erguendo uma sobrancelha.

- A doutora vai gostar do que eu trouxe. - Ela disse, fechando a porta atrás de si, olhando por dentro das persianas para garantir que não havia ninguém por perto. Os documentos que possuía em suas mãos, lhe faziam tremer de excitação. - Por onde eu começo? - Carolina começou a ler a primeira folha, erguendo os olhos e encarando a delegada sentada, já impaciente por estar esperando. - Bom, seu bote é infalível. Espero que seu faro também seja, pois eu trouxe algo semelhante a um rastro. -

Soraya pegou a pasta, abrindo e lendo o conteúdo. - São prédios. -

- Não, cara doutora. - Carolina estralou todos os dedos. - São prédios que não existem. Documentos forjados, corrupção em sua forma mais pura. -

- Ramos, a corrupção é o sangue das veias do Brasil. -

- Bom, tem muita grana enterrada. Só de olhar por cima, já pude ver alguns nomes conhecidos que podem ter envolvimento. Diga que não está tentada em puxar os panos desse mistério? -

Soraya soltou a pasta na mesa, lambendo os próprios dentes por dentro da boca para pensar. - Está vendo aquela lista ali ? São meus afazeres desse plantão. - Ela apontou com a caneta para os escritos indecifráveis numa folha de papel, no lado oposto da mesa. - Acha que esse caso vale a minha noite de sono, perita ? -

- Não acho, eu garanto. - Carolina disse, séria.

- Corajoso. Ou, estúpido. - Soraya lambeu o lábio antes de morder, a encarando. - Seu emprego está pendurado na minha mão até que eu decida o teor da sua atitude. Estamos entendidas? -

- Sei o que estou fazendo. Se eu fosse uma covarde, teria enviado esse caso por e-mail, para apodrecer na sua caixa de entrada. -

- Gosto da sua ousadia, Ramos. - Soraya sorriu de canto quase imperceptivelmente.

- Boa noite, doutora. -

- Quase dia, perita. - Soraya corrigiu novamente, girando na própria cadeira e encarando a janela que daria para a rua. Estava mesmo longe da madrugada virar manhã. E, agora, ela tinha trabalho a fazer. Nomes a riscar. E muitas cabeças pra rolar.

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capitu.
no twitter: @ultrapignoli

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