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2007 - Mato Grosso do Sul

– Me conta a história. Sem poupar os detalhes. – Os olhos de Soraya brilhavam, a mão servindo de apoio para seu rosto apaixonado, enquanto a outra segurava uma garrafa suada de cerveja. Não sabia dizer se a sua mente estava entorpecida pelo álcool, ou talvez, pelo sentimento insaciável que sentia pela mulher ao seu lado.

– Soraya! Não tem detalhe nenhum, eu, realmente dei um soco numa comissária de bordo após escutar um comentário homofóbico! – Simone sabia que o teor da história não era cômico, mas, haviam tantas sensações no desenrolar daquela agressão, responsável por grande parte da descoberta e autoconhecimento de Simone, anos antes.

– Você está me dizendo que antes disso, não fazia ideia nenhuma de que gostava de mulher ? – O tom que Soraya perguntou era incrédulo, porque conhecia aquela mulher havia tanto tempo, que era simplesmente incabível que ela não soubesse absolutamente tudo sobre si mesma. Simone Tebet era uma mulher avassaladora, que transborda a confiança e conquista em seu rastro. Que é capaz de virar a cabeça de qualquer pessoa, e jamais levar a culpa por isso. Ela era um crime só por existir.

– Veja bem, eu precisava assumir os negócios do meu pai, estava noiva de um rapaz, e ainda tinha o sonho de ser professora! Minha vida estava perfeitamente estável sem que eu fosse dormir salivando com a ausência de uma mulher do meu lado. – Não havia muito entusiasmo em sua voz, na verdade, suas palavras eram pinceladas em mágoa e ressentimento, mesmo que tentasse a todo custo manter a dinâmica tranquila e serena da conversa que estavam tendo. Já não era cedo da noite, e a cidade ao redor delas parecia mais silenciosa a cada gargalhada que davam juntas. Se encontravam naquela sacada, e olhavam pro céu. Desejando que, talvez pudessem ter se encontrado numa outra vida. Nessa, em que as despedidas e feridas fossem diferentes, ou inexistentes. Naquele prédio, em que Simone morava sozinha, e Soraya se escondia do próprio casamento, elas juraram a si mesmas que as paredes seguraríam um solo sagrado. Um lugar que seria sempre delas, e que significasse somente o lado bom do que elas eram, e estavam dispostas a compartilhar. Eram especialistas em fugir de assuntos delicados, evitavam a todo custo falar das coisas sérias da vida. Tratavam aquele relacionamento como uma espécie de... sonho. Aonde tudo é perfeito, e o que tem falhas, se conserta com um piscar de olhos. No entanto, a vida real não funciona desse jeito. E elas eram adultas o suficiente para saberem disso. – Bom, depois disso, papai desistiu da minha carreira política, eu perdi meu noivo e descobri que ser professora não dá tanto dinheiro quanto meu sonho dizia. – Simone finalizou, num muxoxo, torcendo os lábios com o sabor gelado da cerveja em contato com sua língua.

– Mas... você me conheceu. – Soraya respondeu, séria. Olhava profundamente para frente, concentrando seus olhos numa árvore distante, querendo diferenciar nas sombras noturnas, os detalhes que mal podia ver. Estava satisfeita em imaginar como aquela árvore poderia ser no clarear do dia, se conseguisse se lembrar de olhar novamente quando a aurora chegasse. Em todas as noites que passavam naquela sacada, Soraya prometia a si que olharia a bendita árvore como ela era de verdade. Mas, todas vezes e sem exceção, ela se esquecia. Fantasiando durante a noite, moldando as folhas e os caules daquela planta imaginária. Moldando ao seu bel prazer a cor das flores, se deliciando com o fruto existente apenas na sua cabeça.

– É, você tem razão. Eu te conheci. – Simone enlaçou a cintura de Soraya, arrastando seu corpo mais próximo ao dela, batendo suavemente a ponta da garrafa de vidro na outra, oferecendo um brinde. – E tem sido... interessante. –

– A gente pode ser mais que isso, sabia ? – Soraya pigarreou, dando mais um gole na garrafa e engolindo devagar. – Nós podemos ser uma coisa de verdade. Um casal de verdade. –

O corpo inteiro de Simone se retesou, tensionando nos próprios pés ao escutar aquilo. Gostava de Soraya, na verdade, mais do que queria admitir. No entanto, sabia dos riscos, e sabia do plano que estava quase em curso. Ela não poderia colocar tudo a perder. – Você é casada. É mãe, e está estudando para fazer uma segunda graduação! –

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⏰ Última atualização: Jul 23, 2023 ⏰

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