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Já era dia. Havia virado mais uma noite em claro na delegacia. Após a conversa com a perita criminal, Soraya estava decidida em resolver qualquer pendência que a impedisse de mergulhar de cabeça naquele caso que havia lhe sido resignado por Carolina. Já cansada após uma prisão, leu pouco dos documentos. Mas, se atentou aos números.
Milhões de reais, dinheiro que muita gente jamais veria na vida numa quantidade como aquela. E, com as mãos sujas, riscaram os contratos que desviavam aquela quantia para as atividades ilícitas, descritas no papel. Mas as letras já estavam saltitando nos olhos míopes da delegada. O cansaço estava tomando conta de seu corpo, e a atenção que tanto precisava, se esvaindo.

Finalizado o plantão, Soraya fez o trajeto de casa, observando com atenção enquanto os vizinhos saíam do prédio pra trabalhar.

- Vejo que alguém faltou na faculdade, de novo. - Soraya respondeu, escutando a televisão rodando em volume máximo na sala de estar.

- Bom dia, mãe. -

- Giulia, a vida é mais do que sair pra farrear todo dia. - Soraya reclamou, abaixando o volume com o controle.

- Tem razão, a vida é se enfiar numa delegacia e correr o risco de levar um tiro. - A jovem respondeu, arisca.

- Giulia. É o meu trabalho. -

- Vou sair com a galera. Nem se incomode em voltar "cedo". - Ela mudou de assunto bruscamente.

- Defina "galera". -

- Um pessoal da faculdade. -

- O pessoal da faculdade tem nome ? -

- Sim, mãe, porque todo mundo tem ficha criminal ativa pra você investigar. - Giulia levantou do sofá, ficando de frente para ela, e esperando que a mãe entendesse que, tudo que ela queria era sair pra passear sem ter que passar por um interrogatório sobre os colegas. - Que saco. -

- Eu me preocupo com você! - Soraya respondeu, genuinamente.

- Não, você se preocupa com você e com a sua reputação. Sua identidade fantasma, é com isso que você se preocupa. -

Soraya não sabia o que responder, porque, parcialmente era verdade. Não era adepta a nenhum tipo de rede social, e tampouco autorizava que a filha não fizesse o mesmo. Sabia que talvez viesse a se tornar um problema no futuro, mas não é como se ela tivesse escolha, devido às escolhas profissionais que havia feito.

- Vou pra casa do meu pai na volta. É melhor assim. - Giulia, já acostumada com o silêncio, passou por ela direto, sabendo que dali não sairia nada.

Após escutar a porta trancando, Soraya estava praticamente sozinha no apartamento. Não perderia tempo explicando mais uma vez suas razões para a filha, e tampouco tinha a energia para isso. Sonhando em descansar a cabeça e organizar as ideias, Soraya o fez, dando início ao seu descanso em plena manhã. Divorciada há dez anos, a delegada não dividia a cama com ninguém, tendo mínima a lista de pessoas que sequer possuíam seu endereço. Fechou os olhos, deixando que o sono embalasse seus membros e lhe trouxesse a paz nos lençóis, imersa em desligar a mente e se ausentar do universo por algumas horas.
Bagunçando ainda mais seus horários, Soraya acordou em plena tarde. Sentindo a tensão de ter dormido mal, ignorou a sensação e foi até a pasta que havia arremessado na cômoda ao chegar. Pescando no mesmo lugar os óculos, começou a ler.

Os documentos alegavam a construção de três prédios. Saúde, educação e ciência. Nenhum deles existia no endereço indicado, e o dinheiro da verba, aparentemente havia sido devidamente justificado perante a lei. O deslize cometido pelos criminosos, foi simples, amador: a fiscalização percebeu que os três projetos de obra possuíam a mesma data. O fato gerou suspeita, e agora, havia chego nas mãos da delegada Soraya Thronicke. Encaminhado junto à acusação, com clipes de papel, estavam presas as fichas de alguns suspeitos. Figuras políticas, empreendedores e até mesmo celebridades. As compras milionárias eram justificadas, devido ao alto padrão de vida em que pessoas assim viviam. Mas, não era isso que ela estava procurando. A resposta era simples, pois um erro tão amador quanto o das datas, só poderia ser cometido por alguém desatento. Os nomes listados ali, não representavam isso.

ARMADILHA [HIATUS]Onde histórias criam vida. Descubra agora