quatro

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No capítulo anterior: Com o pôr do sol e o bafo da quase noite, Simone se desfez do kimono, deixando os tons alaranjados do céu iluminarem seu colo salpicado de sardas claras. A taça do maiô moldava seu peito perfeitamente, sem revelar demais. Exalava elegância, graça e beleza, como tudo nela. Estava distraída com o cardápio, lendo com atenção cada uma das linhas no menu de couro. Soraya conseguia ver apenas suas sobrancelhas, tampando o resto pela capa, sendo segurada com as mãos entorpecentes que ela possuía. Possuir. Ela também possuía no dedo anelar um aro dourado e grosso, que servia de bandeira da sua condição de esposa, a fazendo lembrar que: por mais que Simone estivesse, dela. Ela jamais seria dela.

– Você é sempre muito imprevisível, senhora prefeita. – Soraya brindou, sorrindo com o som dos copos batendo, selando o encontro das duas.

– Por causa do gelo no Whiskey ? Bobagem, está muito quente. – O vento batia nos cabelos escuros, trazendo um ar mais natural às feições de Simone, que sempre estava muito rígida e atenta a tudo. Embora estivesse viajando, e longe de qualquer preocupação fútil, ela ainda estava muito ligada no telefone. Prestando atenção em qualquer ligação que lhe fosse importante, e sempre fazendo de tudo para que sua rede de apoio continuasse firme. Havia projetos que não poderiam desabar, e momentos de relapso poderiam colocar tudo a perder, é claro. Possuía um cargo político, e isso lhe gerava grandes responsabilidades. Alheias às responsabilidades que possuía verdadeiramente.
Tudo na sua vida, até agora, havia acontecido por um motivo. Sua carreira, seu casamento, seu cargo. Tudo. Absolutamente nada poderia fugir do seu controle, pois nada na silhueta de Simone, era por acaso. Nada.

– Não somente. Tudo que eu espero de você, faz o contrário. – Soraya se ajeitou na cadeira de palha, evitando de olhar para ela, e admirando a paisagem do pôr do sol. Sabia o que estava fazendo, e não queria se esquecer do motivo que havia a levado até ali.

– O elemento surpresa tem um certo charme. –

– Exceto que eu não gosto de surpresas. –

– Não sei muito do que você gosta, na verdade. – Simone disse, na tentativa de arrancar alguma informação relevante. Sabia mais do que deixava transparecer, e isso seria sempre uma vantagem.

– Eu gosto de você, agora está sabendo. – Soraya sorriu de canto, pigarreando. Não é como se fosse uma mentira. Gostava dos enigmas ao redor dela, gostava do seu corpo e da sua mente, da maneira inteligente que ela tinha de pensar e agir, deixava a delegada em êxtase. Não era como se existisse a opção de NÃO gostar dela. Todos os trejeitos, gestos e atitudes de Simone pareciam funcionar como o açúcar atrai as formigas. Mesmo que isso signifique um precipício.

– Péssima decisão. – Com uma risadinha, e o engolir suave da bebida alcoólica, Simone prosseguiu: – Mas, você não tem medo de tomar algumas decisões ruins, tem ? –

– Se eu tivesse, não estaria aqui. – Soraya mordeu o lábio, observando o horizonte. Por mais que a luxúria, o mistério e a paixão velada tentasse cegar seu julgamento e seu censo de justiça, ela tentava se manter firme no propósito. Se aproximar cada vez mais das paredes que mantinham a prefeita escondida. Como uma forma de talvez poder escutar o que as vozes dentro dela diziam. Se conheciam há anos. Sem sequer conversarem sobre as coisas que importavam. Era possível manter um relacionamento sem se relacionar ?

Bom, elas mantinham.

– Tem razão. E... se está aqui, tem que aproveitar enquanto pode. – Os dedos de Simone passearam pelo antebraço arrepiado da delegada, percebendo a invasão suave do toque, sem sequer um pingo de vontade de se esquivar.

– Aliás, como foi que você decidiu que iria me trazer aqui ? – Foi nessa pergunta que começou a nascer o questionário policial que Soraya possuía no gatilho. Não era como se ela fosse burra o suficiente de verdadeiramente interrogar Simone, pois isso seria impudente da sua parte. E além disso, embora estivesse numa missão de descobrir as corrupções daquela mulher, ela também estava pessoalmente envolvida naquele processo, literalmente.

ARMADILHA [HIATUS]Onde histórias criam vida. Descubra agora