joburg

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Chegando a cidade do ouro

Ao meu lado direito, estava um rapaz que não estava dormindo mas apoiava sua cabeça e seus olhos fechados sobre a janela do avião. No meu lado esquerdo, um homem que ouvia uma banda muito estranha. Eu, no meio, segurando um livro em inglês que comprei e um pouco de ansiedade.

Não era um voo comum. 

Estava indo passar o final de semana em Johanesburgo. Cheguei no sábado a Cidade do Cabo para um curso de inglês de 4 semanas. Em menos de uma semana, a experiência já era incrível e desafiadora. O primeiro desafio era não me sabotar, o segundo era falar em inglês. Acho que fui bem nos dois. Apesar de ter ficado no nível intermediário no teste da escola.

Johanesburgo. Uma cidade e tanto. Quase 6 milhões de habitantes e muito parecida com São Paulo. Quando cheguei ao aeroporto, logo percebi que aquela era uma cidade muito mais retinta do que Cape Town. Por ser menos turística, o número de brancos era menor, mas também tínhamos outros povos. No caminho pro hotel, vi que aquela era uma parte da África que não nos mostraram nos livros.

Prédios, luzes, propagandas de marcas que conhecemos bem. Esta era Joburg. Todos me mandaram ter cuidado com ela. Era cheia de prédios que nem SP e perigosa como o RJ. Acho que isso me deu um pouco de medo e me fez ver que ainda não estava pronta pra morar em outro país (este é o momento que meu pai e minha mãe dão um print na tela pra ter provas contra mim quando eu decidir morar em outro país). Bom, mas eu só vou falar de coisas boas porque eu vim da Mata Escura e essa viagem foi um presente pra mim.

Quer dizer, é impossível falar só de coisas boas em Johanesburgo. Porque em pouco tempo na cidade você já sente o quanto o apartheid destruiu aquele lugar. E adiantando pra vocês, eu nunca senti algo parecido com o que senti em Joburg na minha vida. Era tristeza, raiva e ódio todos misturados. Ódio ao branco, ao europeu branco e aos seus descendentes, que descaradamente continuam nas terras roubadas e vivendo como se aquele fosse seu lugar de direito. Não é. É roubado. Como podem não se culpar de nada? Porque, percebam: uma coisa são as famílias aristocratas do Brasil que roubam desde 1500, e outra coisa é perceber que tem gente em Joburg e em toda a África do Sul que ganhou privilégios por causa da segregação e tem a idade dos nossos pais. Eles viram o que aconteceram e não sentem culpa de nada. 

Mas, eu e você, que vivemos um contexto de tragédias, sabotados diariamente pelo sistema racista, que somos violentamente submetidos a rotinas totalmente racistas, nos sentimos culpados quando não damos o nosso melhor em um dia. Que loucura, né? Não somos culpados de nada, mas somos nós que carregamos a culpa. Explico a questão das terras mais tarde. Voltemos a linha do tempo.

Quando cheguei em Sandton, comprovei que ali era a área mais nobre e moderna de Joburg. Muito chique. Prédios espelhados, daqueles que dizem que matam os passarinhos, pessoas bem vestidas, chiques e bonitas. Quando fiz check-in no hotel, o rapaz do saguão brincou comigo e perguntou se eu era parente de Pelé e depois a moça que me ajudou a abrir meu quarto tocou nas minhas tranças e disse que era melhor eu ter feito meu cabelo lá. Era melhor e mais barato, rs.

Tomei um banho, fiz um vídeo do quarto de hotel pra mostrar aos meus pais e fui comer no Mandela Square e, puts, essa era uma África do Sul vibrante. Lotada de pessoas retintas e com uma galerona muçulmana. Uma felicidade enorme transbordou meu coração ao ver pessoas muçulmanas de montão comendo (pra quem não sabe, eles têm restrições de dieta), sendo felizes e sem ninguém julgar suas roupas. 

"Ah, Denise, mas metade da população do continente africano é islâmica, claro que os lugares iriam se adaptar para recebê-los.". Meu amor rsrsrs, tenta ser uma pessoa vegana ou intolerante a lactose e sair pra comer livremente. O Brasil não respeita a diversidade em nada. E eu e você  sabemos exatamente o que é isso pois crescemos com nossas mães quebrando a cabeça pra lidar com nossos cabelos e saindo cinzas nas fotos pois não tinha maquiagem pra gente. E somos a maioria da população.

Um Extraordinário ordinário: Meus Dias na África do SulOnde histórias criam vida. Descubra agora