Quando eu estou triste, eu lembro da felicidade que eu senti na África do Sul. Fico rolando minhas fotos e lembrando da sensação de realizar um sonho. E, nossa, eu realizei muitos sonhos.
Ok, na minha mente fanfiqueira eu teria encontrado o amor da minha vida, que é um dos atores que eu assisto nas séries sul-africanas, e estaria lá até hoje. Mas, mesmo assim, foi uma experiência incrível.
Nós, descendentes da diáspora africana e do sequestro desumano que nossos ancestrais sofreram, chegamos na África achando que ela é um lugar místico que nos curará instantaneamente.
Não é assim.
A gente tomou golpe de vendedor lá assim como os turistas tomam golpe no mercadão de São Paulo e pelas ruas do Pelourinho. Nós enfrentamos filas de mercado, nós fomos zoadas por um vendedor de Bangladesh, atravessamos a rua com pressa, nos perdemos, nos surpreendemos, ficamos presas em engarrafamento, fomos surpreendidas pelo mau tempo.
É que a África do Sul se mostrou um extraordinário ordinário pra mim.
Recebemos sorrisos por sermos brasileiras, fizemos amizade com a moça do caixa do Pick'n Pay, recebíamos olhares diferentes, fretaram comigo, eu era vista socialmente como uma pessoa bonita, andávamos no shopping chique e com marcas de luxo e não éramos seguidas pelos seguranças.
Nós vimos a vida existir em um lugar que não nos contaram que existia. Aprendemos (às vezes, nem aprendemos) na escola que a África é basicamente um só. Aí depois a gente tem a básica noção que não é um lugar só porque nossos professores nos contam que a Europa dividiu o continente pra eles como se fosse um quebra-cabeça que eles dão de presente no natal pros filhos.
Mas, a verdade é que o continente africano é uma multiplicidade de coisas e eu vivi um pouquinho disso. Ainda falta muito pra eu ver.
Quero ver o encontro do mar e do deserto na Namíbia, as igrejas subterrâneas de pedra na Etiópia, a migração do gnus no Quênia, as águas cristalinas da Tanzânia e também do Seychelles, passear pela Avenida dos Baobás em Madagascar, andar pelas calçadas de Luanda, conhecer as praias de Moçambique, me isolar nas remotas e geladas montanhas do Lesoto, cantar É o Tchan e Margareth Menezes entrando em monumentos históricos do Egito.
Eu quero ver tudo que me foi negado, tudo que me foi mentido. Quero assim como Natanael ir e ver, sentir, tocar, experimentar, conhecer tudo aquilo que o branco tentou destruir mas não conseguiu.
Nós somos o plano dos nossos ancestrais, nós somos a razão deles terem aguentado viagens cruéis, açoites, marcas de ferro. Cada um de nós, do nosso jeito, resiste e existe para conduzirmos nossas vidas em meio a tanta dor.
Ir a África do Sul foi achar um pouquinho da minha história. Foi uma chama que me fez querer saber mais de mim e que me dá alegria até hoje.
Eu preciso voltar.
Pra brunchar no Jarryd's, pra me hospedar num apartamento de frente pro mar no Sea Point.
Pra dizer a mim mesma que é muito bom e eu mereço realizar sonhos.
Que jornada.
A luta continua.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Um Extraordinário ordinário: Meus Dias na África do Sul
No FicciónNesta autobiografia de viagem (esse gênero existe?kkk), conto a vocês um pouco do que eu vivi na Cidade do Cabo e Johanesburgo em março/abril de 2023. Cheguei ao país para estudar inglês por um mês, mas vivi histórias simples, porém que me trouxeram...