robben island

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Deixei pra ir a Robben Island no final da minha viagem. Eu vi muita coisa em Joburg e também havia visitado o Museu da Escravidão, em Cape Town. Então, eu decidi que viveria a vida de uma princesa de classe média em Cape Town. Esbanjei, comi fora, comprei roupa nova, passei um pouco mal e só no meu último domingo lá que eu resolvi ir a Robben Island.

Me encontraria com Áurea mais tarde e seria mais um domingo maravilhoso em Cape Town. Não foi. Aline estava no sáfari, não foi conosco e eu fui com Thaís e um amigo árabe dela. Eu esqueci o nome dele. Thaís, se você estiver lendo esse texto, por favor, corra e me diga o nome dele. 

Compramos nossos ingressos online e fomos. Eu tava com um aperto no coração. Eu visitei a prisão de Joburg e já havia visto muita coisa pesada. Mas, não sabia que a Robben Island seria o meu pior momento na África do Sul até ali.

Eu passei muito, mas muito mal na ida. Era uma viagem de ferry boat de meia hora e eu achava que seria um percurso parecido com o que fazemos de Salvador até Itaparica ou Morro de São Paulo. Foi uma viagem muito forte. Eu estava com o estômago não tão cheio (aprendizados da Baía de Todos os Santos) e mesmo assim passei extremamente mal e só não vomitei porque estava de estômago vazio. Logo, a tripulação pegou no meu braço e me levou até fora do barco. Até aquele momento, havia sido a meia hora mais longa da minha vida. Dois meses depois a meia hora mais longa da minha vida se tornou quando isolaram eu e meu pai numa sala de hospital antes de contar que minha tia havia falecido.

Enfim, foi uma viagem horrorosa e finalmente chegamos a Robben Island. Uma ilha bem pequena e que parece até bem simpática quando se chega lá. Fomos no segundo ônibus porque o primeiro já estava cheio. Mas, é aquela coisa, né? Cheguei na ilha acabada, com minhas tripas todas fora do lugar e aí eu fui ouvir o meu guia falando que foi torturado nu em uma cadeira elétrica. Todos os guias do lugar foram prisioneiros.

A Robben Island foi mais que o lugar que Mandela ficou preso por 18 anos. Era uma prisão comum, mas que se tornou somente para presos políticos. Tiraram os outros presos porque os políticos estavam influenciado os outros. Ah, e sim, mesmo sendo uma prisão majoritariamente afrikaan e colored (acho que só um branco passou por lá porque era um preso político que lutou contra o apartheid, mas não tenho certeza dessa informação), havia segregação também. Presos como Mandela não tinham tanta convivência com os outros e podiam receber duas cartas ano. Era isolamento total. Não conseguiam ver  o mar, mesmo estando ao lado dele.

Presos em celas comuns dormiam no chão e trabalhavam arduamente todos os dias e sobre o olhar sanguinário de todos os vigias. Meu guia falou que foi entregue por aliados ao apartheid que entraram na ANC. Ele foi preso no Zimbabué e passou 8 anos lá. Não viu Mandela. Lá vimos o pé de maçã que Mandela plantou, onde ele começou a escrever o Long Walk to Freedom (os manuscritos foram achados lá também) e vimos também umas fotos dele com outros presos, que foram cruciais na luta contra o apartheid. E pra vocês verem como a África do Sul preserva a história, o cara que pintou a parede das celas foi demitido. Foi uma atitude inadmissível pra eles. Eles não permitem que se mude a história.

Foi um passeio bem curto mesmo. Voltamos pra o ônibus, demos a volta na ilha, paramos pra tirar foto na moldura e eu comprei umas balas na lojinha. No ferry de volta, eu me separei de Thais e o amigo árabe dela (nossa, eu realmente esqueci o nome dele!). Vim sentada com quatro rapazes sul-africanos e um deles me chamou pra sair. Desconversei porque foi bem intrusivo e ele já perguntou de cara se precisava pagar pra casar com mulheres brasileiras. Eles também ficaram de cara no chão quando eu contei que o Brasil era um país super racista.

Mas, foi o ferry começar a andar e eu comecei a passar mal de novo. Velho, é um absurdo isso. Eu nasci em Salvador, eu andava de ferry e eu estava pagando um papelão desses do outro lado do Atlântico. Juro! Aí eu voltei e fui ficar lá olhando a paisagem enquanto meu estômago estava na minha garganta e eu sofria com um enjoo descomunal. Bom, mas enquanto tudo isso acontecia, a tripulação do barco me fazia perguntas sobre o Brasil, eu as respondia e eles tiraram fotos minhas. Ficaram todas péssimas, rsrs. Eu sempre tenho mania de começar umas reflexões em momentos que eu só deveria viver e sentir, mas naquele momento era inevitável. Eu quase coloquei todos os meus órgãos pra fora em duas viagem de 30 minutos, cada, e meus ancestrais passaram meses em condições inóspitas. Algemados, com fome, vendo o corpo de outros ao lado deles e distantes de todos que amavam. Eu não consegui fazer uma viagem de meia hora e meus ancestrais abarcaram do outro lado do mundo e depois foram vendidos, açoitados, violentados. 

Um Extraordinário ordinário: Meus Dias na África do SulOnde histórias criam vida. Descubra agora