Don't hurt youself

Raiva

"Se é o que você realmente quer... Posso usar a pele dela sobre a minha. Seu cabelo sobre o meu. Suas mãos como luvas. Seus dentes como confete. Seu couro cabeludo, um boné. Seu esterno, minha bengala deslumbrante. Podemos posar para uma fotografia, nós três. Imortalizado... você e sua garota perfeita.
Não sei quando o amor se tornou indescritível. O que sei é que ninguém que conheço tem.
Eu penso nos amantes como árvores... crescendo uma para a outra. Procurando a mesma luz.
Por que você não pode me ver? Todos os outros podem."

Adentro o apartamento em passos lentos, minha cabeça gira pela raiva que sinto e por todo o álcool de mais cedo. O local parece diferente do que eu deixei anteriormente, as paredes brancas cheias de memórias em formato de fotos nossas não me trás mais o aconchego e felicidade que costumava.

Consigo escutar os passos de Lewis no corredor do lado de fora. Respiro fundo me preparando para o confronto eminente que não tenho mais como adiar.

Lewis bate a porta atrás dele com força o suficiente para o barulho ressoar por todo o apartamento.

-Chega com essa merda de tratamento de silêncio. Você me ignorou durante toda a noite. Já não é o suficiente?! -Sua voz é mais alta do que o normal.

Pouso minha bolsa na madeira da mesa de jantar e me viro em direção a ele, que está parado no meio da sala, com o maxilar travado e os olhos fixos em mim.

-Eu te disse que essa conversa aconteceria em casa. -Sinto a raiva queimar minha garganta. Eu pareço calma, mas ranjo meus dentes por tantas emoções entaladas no meu interior.

-Aqui estamos. -Ele gesticula para toda a sala de estar. -Agora, dá para me falar que merda está acontecendo? Primeiro você passa a semana toda agindo estranho, depois no jantar você não fala nada a não ser para fazer comentários sem noção. Você tomou sozinha duas garrafas de champanhe, você sabe que não pode beber, quer jogar no lixo todo o tratamento que nós estamos fazendo?

E é nesse momento que eu explodo e digo o que não deveria. O riso sem humor que sai de meus lábios parece mais como um grunhido de dor. Como ele ousa citar isso agora, como ele ousa agir como se nada estivesse acontecendo, como ele ousa estar me traindo e ainda assim querer construir algo tão grande quanto isso ao meu lado?

-Foda-se esse tratamento, Lewis! Eu não tenho mais o menor interesse em conceber um filho seu. -Eu grito para ele pela primeira vez na vida. E grito as piores coisas que poderia.

Sabe quando você se arrepende de dizer algo antes mesmo da última palavra sair de sua boca? Isso acabou de acontecer. A dor de Lewis se torna clara diante de meus olhos, mas não é maior do que a minha. Eu nunca poderia imaginar que diria essas palavras à ele. Ao amor da minha vida.

Lewis fica quieto, estático, como se estivesse colado no chão. Eu, assim como ele, tento assimilar as palavras que acabei de pronunciar. Não sei de onde elas vieram, não sei se realmente me sinto dessa forma. Mas não me movo para retirá-las, ou para tentar voltar atrás no que disse. Eu acho que esse é o momento em que eu vou me lembrar como ponto de ruptura. Da nossa ruptura. Não tem volta depois de dizer algo assim.

Mas a vida é feita de escolhas e renúncias, e eu escolho seguir em frente com a minha revolta.

Caminho até minha bolsa e por um breve momento, o som dos meus saltos batendo no chão é a única coisa que se ouve no ambiente.

Retiro de lá a pulseira que ainda tenho comigo e caminho até perto dele com o objeto em meu punho fechado.

Chego perto o suficiente para escutar sua respiração. Seus olhos brilham com a tristeza. Eu não consigo nos reconhecer nesse momento. Tudo parece tão errado, tão confuso. Nós nos conhecemos tão bem, mas agora eu sinto que estou olhando para um estranho. Eu sinto um nó na garganta, e por um momento eu tenho medo de que eu vá desmoronar.