Às vezes conversas rotineiras não ofereciam tempo e nem profundidade para que eu pudesse refletir sobre as conjunturas em geral. E eu me descobri alguém que gostava de ponderar sobre tudo. Por exemplo, eu deveria ter pensado bastante antes de ter aceitado esse jantar sem cabimento.
Ben estaria aqui em alguns minutos. E eu não estava preparada. A comida estava pronta, a mesa estava posta, eu arrumada. Mas meu coração pulava no peito em desespero. Decisão nenhuma fazia que eu sentisse menos, seja lá o que eu sentia por ele.
Por que jantares pareciam tão mais sérios que almoços?
Claro, Karl estaria aqui, mas isso não era um alívio completo.
Meu irmãozinho tentou não se opor a cozinhar, tentou não reclamar de não saber o que estava fazendo, tentou não me persuadir a simplesmente comprar algo. Ele era despreocupado demais, gostava das coisas simples, e pra ele podia ser fácil, mas eu nunca estava satisfeita.
Foi uma surpresa, para mim, encontrar uma chave na minha cama depois que eu sai do banho. Karl tinha deixado ali como uma oferta de paz oficial, o que não era preciso, já que eu o perdoei há dias – só esperava que ele tivesse me perdoado também.
Eu não precisava ser Sherlock Holmes para descobrir o que a chave abria. Coloquei-a na fechadura e rodei duas vezes antes que a porta do meu antigo quarto se abrisse.
O quarto com certeza era limpo com frequência, mas ainda tinha cheiro de relíquia e naftalina. Mais de quatro anos que eu não pisava ali, e parecia um mundo totalmente à parte do meu. A decoração era exagerada e esnobe, os objetos aparentavam ser de alguém supérfluo e pomposo.
E aí estava a antiga Kaila outra vez. Um pedaço de mim, mas agora esquecido.
Não perdi tempo em rever nada, apenas caminhei até o closet, onde uma porção de roupas, sapatos e joias de todos os tipos se espalhavam em araras, prateleiras e gavetas. Cada peça de vestuário exalava vaidade. Eu deveria simplesmente usar um dos vestidos floridos que agora me pertenciam.
Caminhei pelo espaço como quem não quer nada. Observei e toquei alguns vestidos, a maioria espalhafatoso demais. Me demorei em um vestido bege em voil, ele era relativamente simplesmente, mas ajudaria mais se não tivesse o nome Prada estampado no decote.
Estava evitando as cores vibrantes, não combinariam comigo de qualquer forma – ainda que aquelas fossem as minhas roupas e outrora combinaram realmente com a minha personalidade.
Passei a mão por mais uma fileira de roupas em cabides e segurei um tecido macio. Era um vestido branco e longo da Dior. Tirei-o do closet e o trouxe para o meu atual quarto, onde eu me sentia bem mais confortável. Estendi-o sobre a cama e fiquei vários minutos decidindo se devia mesmo usá-lo.
Era por isso que agora eu estava na sala de jantar, andando de um lado para outro em um modelo plissado, com uma transparência questionável nas pernas. Fora que, aparentemente, eu era bem mais magra quando ainda frequentava essa casa, então esperava que meu busto sobrevivesse depois de ficar algumas horas apertado contra o tecido de algodão.
A campainha tocou um segundo depois. Eram 20h, e não era um grande conforto que Ben fosse extremamente pontual. Se ele se atrasasse um pouquinho, eu podia ver se me sentiria aliviada ou frustrada – talvez um misto das duas coisas.
Karl mais parecia que ia assistir um jogo de futebol, com aquela bermuda ridícula e camisa de time de mal gosto.
Kaila, releva. Ele tem 21 anos, ainda não saiu da adolescência. E esse pensamento me fez rir, diminuindo a tensão dentro de mim.
Que se alastrou com tudo em meu estômago assim que Ben adentrou a sala.
— Kaila — ele disse de um jeito "estou surpreso, mas nem tanto", mas definitivamente não era "que surpresa agradável te ver aqui hoje".
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Singularidades de um Amor (sem cerimônias) ✔
ChickLitSegundo livro da trilogia Os Collards Status: Concluído Classificação indicativa: +14 Design de capa por @EfitiaLexa #1 em ficçãofeminina (15/05/2023) #1 em chick-lit (02/09/2023) #8 em piano (15/06/2023) #10 em completo (07/08/2023) Mimada desde se...