AO CONTAR PARA A ESPOSA SOBRE A MORTE DA FILHA, Sebastian já esperava que ela fosse ficar arrasada, mas não pôde cogitar que aconteceria o que aconteceu.
Elide, tomada pelas garras do luto, entrou em uma espécie de transe, deixando que seu corpo liberasse sua fúria em meio a gritos enquanto atirava para os ares qualquer coisa que via pela frente.
Os três filhos ainda vivos se afastaram do quarto dos pais assim que um jarro de flores voou porta afora, arrebentando na parede do corredor. Sebastian tentava acalmar a esposa com palavras de consolo, mas a mulher lhe atirou o último vaso decorativo com um berro bestial. Por sorte, o homem foi rápido o suficiente para se abaixar antes que fosse acertado.
— Meu amor, por favor, ouça-me! — Com as mãos erguidas, ele tentou se aproximar da esposa novamente. Mas a mulher já partia para os quadros, começando a tentar puxar um por um de seus lugares a fim de atirar na lareira. Sebastian conseguiu tirar de suas mãos os primeiros quadros que a esposa arrancou das restrições, mas não foi capaz de pará-la quando puxou o quadro com a pintura de sua filha mais nova e correu para a lareira acesa.
— Elide, não faça isso!
Contrariando a cena que o homem esperava presenciar, Elide caiu de joelhos no carpete aos pés da lareira, começando a chorar copiosamente sobre o quadro de Camelia em seu aniversário de dezesseis anos, linda como uma princesa ao lado de seu pai e sua mãe.
Haviam pedido para pintar aquele quadro há apenas sete meses, como poderia agora não ter mais sua filha? Como a menina de sorriso rasgado e olhos brilhantes incapazes de serem contidos até mesmo numa pintura podia ter sido calada para sempre?
O choro de Elide pôde ser ouvido de todos os andares da casa e, se os Heartlock tivessem vizinhos próximos, eles também seriam capazes de ouvi-la.
O berro de dor da matriarca foi marcado nas paredes, nos móveis, na fundação da casa, no fogo que crepitava na lareira, no coração dos que continuavam vivos naquela família, no clima, que espelhou seu pranto e inundou Bogainville em tempestade durante toda a noite. Equanto Elide chorava, enquanto Sebastian a segurava, enquanto os irmãos da falecida sentados na sala encaravam o nada em completo silêncio, enquanto os peritos da polícia de Bogainville perscrutavam o cadáver de Camelia atrás de respostas, a chuva e trovões apenas caíram com a força do fim dos tempos.
Quando a manhã chegou e a chuva torrencial deu uma trégua, os detetives Thomás e Anthony rumaram para o necrotério da polícia a fim de tirar alguma informação dos peritos. Não foi um trabalho tão difícil, uma vez que o rapazinho estava tão ansioso para externar suas conclusões quanto os detetives estavam para ouvi-las.
— Pessoal, posso dizer algo que vocês talvez já tenham deduzido — disse ele. Os detetives o esperaram continuar. — Camelia não morreu sete dias atrás.
Os detetives já esperavam por isso, mas estavam tentando muito não pensar sobre isso.
— O estágio de decomposição remete ao dia três ou quatro pós-morte. Quando olhei para ela na floresta logo soube disso. Outra coisa: encontrei uma quantidade absurda de terra impregnada nas unhas e orifícios. Parece normal, para alguém que foi encontrada enterrada, porém...
— Você acha que ela foi enterrada viva e tentou escapar cavando — disse Thomás, impaciente, já tendo tirado suas próprias conclusões lá no lago e querendo agilizar as coisas.
— Sim. Acho que ela foi enterrada viva, mas não sete dias atrás e sim quatro dias atrás, quando o lago começou a subir.
— Se ela foi morta apenas quatro dias atrás, onde poderia estar durante os três dias anteriores? — Tony encarou o amigo detetive, que apenas murmurou:
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Querida Camelia
Mystery / ThrillerV1 | Na cidade conhecida pela presença dos corvos, um desaparecimento faz com que todos fiquem apreensivos. Conhecida como uma menina gentil e bondoza, Camelia é a filha caçula dos fundadores Heartlock, uma família respeitada por todos como benfeit...