Há quem julgue aqueles que gostam de ficar mais reclusos, porém eu acredito que esse seja um grande desafio, até mesmo uma virtude que te coloca em vantagem em relação aos demais. Isso porque existe a possibilidade de observar melhor as pessoas que te cercam, e foi desse jeito que eu notei que as garotas gostaram do novo corte de cabelo do príncipe.
Não, elas não disseram uma única palavra no café da manhã -pois não queriam correr o risco de ficar sem desjejum, caso a rainha decidisse que já estava satisfeita-, mas os olhares em direção a Tewksbury e as risadinhas entre si denunciavam muita coisa, e aparentemente eu não era a única que havia percebido.
Do outro lado da mesa, Tewks às vezes olhava na direção de Sienna e Sophie, que de todas as meninas, eram as que menos possuíam a habilidade de disfarçar alguma coisa. Apesar de todo o murmúrio, notei que Jane não parecia tão animada quanto as outras, o que me fez questionar se ela estava ali porque queria ou se simplesmente foi obrigada a entrar nessa situação.
De repente, todos da mesa estão de pé. Aparentemente, existe uma regra estranha na família real que não nos permite comer mais nada após a rainha terminar sua refeição -isso está escrito no livro de etiqueta que todas nós recebemos para utilizarmos nas aulas. Sei disso porque me adiantei e já comecei a lê-lo. Pelo canto do olho, noto que a Madame Laelia olhava triste para seu pedaço de torta inacabado no prato, mas não sabia se a tristeza era por não ter terminado a refeição ou pela morte do marido. A pobre coitada havia ficado viúva poucos meses antes de toda essa história envolvendo a Monarquia.
Era possível sentir uma tensão pairando no ar, pois acredito que a maioria de nós não sabe como se portar em um recinto onde há duas mulheres tomadas de preto da cabeça aos pés. Mas apesar disso, a Rainha e sua dama de companhia se entendiam muito bem, acredito que dividir o peso do luto tenha estreitado ainda mais o laço de confiança entre elas.
-Queridas meninas, -a voz da monarca chama a minha atenção- terminado o desjejum, agora eu gostaria que as senhoritas acompanhassem a Sra. Harrison, que, como uma de suas tutoras, está encarregada de observar e ajudar na educação de vocês. Lembrem-se que todas estão sendo analisadas minuciosamente o tempo todo. Logo, não é só a opinião do meu filho que impacta na tomada de decisões, uma vez que é o futuro da Inglaterra que está em questão. Qualquer deslize que cometerem pode refletir na sua estadia aqui. -Ela franze as sobrancelhas em uma expressão dolorosa, mas isso não a abala, porque logo se recompõe e volta a falar. - Enfim, não me estenderei muito, pois sei que o dia das senhoritas será cheio hoje, mas também queria lhes aconselhar a aproveitarem os momentos desse processo. Serão dias únicos, tenho certeza que todas guardarão na memória as lembranças construídas aqui e espero que essa oportunidade as permitam encontrar verdadeiras amigas.
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Nossa primeira aula de etiqueta no palácio seria ao ar livre, em meio ao lindo jardim da Rainha. Todas as selecionadas seguiam a Sra. Harrison em silêncio, apenas deleitando da paisagem maravilhosa que as inúmeras espécies de flores formavam. Pelo pouco que sei de botânica e jardinagem, consigo reconhecer as rosas vermelhas, algumas margaridas e lírios do vale. Sorri quando pensei que com certeza irei pedir para Tewksbury nomear para mim o nome das outras plantas, e como a paixão dele por flores me lembra a minha mãe, que compartilha da mesma admiração.
Chegamos a uma parte um pouco afastada do castelo. De longe, consigo avistar a pequena estufa na qual eu encontrei com o príncipe pela primeira vez. Por um instante, fico irritada comigo mesma por estar destinando grande parte dos meus pensamentos desse dia para o garoto, mas não consigo evitar o pequeno sorriso que escapa do meu rosto toda vez que me lembro dele.
"Algo deve estar muito errado comigo" -pensei.
Debaixo de uma grande árvore, uma bem parecida com a do dia anterior -droga, estou pensando nele de novo!- haviam sete pilhas de almofadas douradas distribuídas em forma de círculo. A mais velha nos instruiu a nos adequarmos de acordo com nossa preferência, por isso, optei por sentar onde a sombra da árvore não tampasse o sol. Fechei os olhos e respirei fundo para poder sentir o frescor da primavera.
Escuto um pigarrear e abro o olho direito, visivelmente confusa. Em minha frente, a Sra Harrison me fita com um olhar atento e questionador.
-Onde estão seu chapéu e luvas?
Tenho certeza que estou vermelha agora, porque consigo sentir meu sangue se concentrando em minhas bochechas. As outras garotas me observam curiosas, todas com seus respectivos pertences citados pela tutora.
-Eu tenho um chapéu, mas ele coça a cabeça. -Minha voz soou mais como um fiapo, pois estava constrangida devido a atenção indesejada. -E eu não tenho luvas, mas por qual motivo as teria? Hoje não é um dia frio.
A mais velha arqueou uma sobrancelha, como se tivesse se sentido desafiada pela minha resposta, mas, se gostou ou não do que foi lhe dito, não deixou transparecer.
-Certo, senhorita. Dessa vez irei deixar passar, pois sei que nem todas aqui possuem o mesmo nível de classe que outras. -Ela acabou de me chamar de mal educada? Mas, antes que eu pudesse concluir qualquer coisa, ela voltou a falar. -Primeiramente, eu gostaria de reforçar um detalhe sobre a Seleção. Como vocês devem saber, já que cada uma aqui recebeu uma equipe de funcionários do palácio em sua residência, as senhoritas podem ser eliminadas por Vossa Alteza, o Príncipe, Vossa Majestade, a Rainha, e por seus tutores, ou seja, a srta. Marjorie e eu. Entretanto, uma vez estabelecida a Elite, que será composta por três candidatas, apenas Vossa Alteza terá poder para retirá-las desta competição. Por isso, saibam que, se cometerem qualquer deslize perante os meus olhos, serei obrigada a convidá-las a se retirar. Alguma dúvida?
-Nós podemos desistir em algum momento da disputa? -Penelope. que estava sentada ao meu lado usando um belo vestido azul, levantou a mão para perguntar.
-Podem sim, srta. Wood, mas você já teria ciência disso, se tivesse lido a lista com as regras que eu mandei para suas residências assim que seus nomes foram escolhidos no sorteio. -A mulher respondeu grossamente, e a coitada da Penelope se encolheu na sua pilha de almofadas. -Se não houverem mais perguntas, vamos começar... Meninas, vocês estão aqui por um motivo. Um motivo apenas: serão transformadas em damas. Para isso, precisam aprender a caminhar corretamente, a falar no momento certo. Dessa forma, busquem seguir o exemplo da Rainha, porque assim como a moldamos, nós moldaremos as senhoritas. Ajam, pensem e sejam como eu mandar, e uma de vocês se tornará uma Rainha aceitável e uma mãe responsável.
Ela continuou fazendo seu discurso memorável dizendo que todas tínhamos potencial, e que o fato de algumas de nós serem desajustadas era um pequeno detalhe que desapareceria com o tempo. Em seguida, a nossa aula de etiqueta começou de fato, mas eu já estava farta de tantas regras que para mim pareciam bobas, mas que, por algum motivo, eram coerentes para a Monarquia e para a alta sociedade.
-Como nós rimos? Nós rimos educadamente. -A sra. Harrison fez uma pergunta que ela própria respondeu, e logo em seguida, cobriu a boca com a mão enquanto ria de um jeito dissimulado e artificial. Precisei me esforçar muito para evitar uma gargalhada, e assim seguiu-se a nossa aula da manhã. Quando fomos liberadas para o almoço, sorri, aliviada por aquela sessão de bons modos ter chegado ao fim.
-Ah, meninas, antes de irem para seus próximos afazeres, vou lhes revelar qual será a primeira da Seleção para vocês. -Nossa tutora disse, chamando não só a minha atenção, mas também a das outras selecionadas. -A Corte do Palácio está fechada por tempo indefinido, então, por sugestão da própria Rainha, as senhoritas precisarão organizar um evento para os nossos convidados. O prazo é de uma semana. Boa sorte.
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The Selection - Enola Holmes
FanfictionO século XIX estava sendo um período próspero para o povo inglês. Os lucros obtidos a partir da expansão do Império, juntamente com a consolidação da Revolução Industrial, estavam fazendo com que a economia do país estivesse sempre no topo. O povo e...