Meu irmão e a rainha Vitória* não ficaram muito tempo nas propriedades de Ferndell Hall. Eles partiram antes mesmo que o almoço pudesse ser servido, alegando que precisavam voltar para o castelo e resolver algumas burocracias sobre a Seleção, que ocorreria daqui um mês.
Ou seja, eu só tinha um mês para planejar o disfarce perfeito.
Mamãe e eu estávamos empenhadas em criar uma personalidade totalmente nova para mim, e para isso, precisávamos começar do jeito certo.
Escolhendo o meu novo nome.
Por mais que a maioria das pessoas não deem a atenção devida para seus nomes, por serem muitos simples e repetitivos, nosso nome é a etiqueta que carregamos para a vida toda. E é por isso que eu precisava de um novo. Até porque, Enola Holmes não era um nome considerado comum.
Passamos o resto do dia tentando encontrar a combinação perfeita, e quando conseguimos, já se passava da hora do jantar. Acredite, Eudora Holmes pode ser bem crítica quando quer. Mas mesmo que meu estômago reclamasse de fome e eu só conseguisse pensar nas deliciosas batatas inglesas que vi a Sra. Lane preparando mais cedo, nenhum sentimento seria capaz de ultrapassar a euforia e satisfação com o nosso resultado.
Eu iria me chamar Ivy Meshle.
À princípio, era um nome comum e simples, mas se você o analisasse por um ângulo diferente, perceberia que ele é cheio de significados.
Escolhi Ivy por causa da fidelidade ao meu país. E Meshle, meu novo sobrenome, era na verdade um criptograma. A ideia era de mamãe, ela sempre adorou brincar com as palavras.
"Ele funciona assim: pegue a palavra Holmes e divida em duas sílabas (hol-mes). Depois as inverta (mes-hol), e então soletre da mesma maneira como é pronunciada (Meshle). Seria muito mais fácil que me associassem à família da Inglaterra ("Você é parente dos Meshle de Sussex, de Tottering Heath?") do que a alguém chamado Holmes."
No dia seguinte, a Sra. Lane começou a me dar aulas de costura e etiqueta feminina, pois eu precisava saber como se porta uma dama se quisesse me passar por uma, mas aparentemente, aquilo era mais difícil do que eu imaginava, e por mais que eu me esforçasse, podia notar o olhar decepcionado no semblante de minha professora.
Eu não me sentia mal por vê-la frustrada. Diferente das moças bem criadas, eu nunca aprendi a bordar ou a diferenciar a forma correta de segurar uma xícara de café ou chá. Eu aprendi a observar, a ouvir. Eu aprendi a lutar. Era por isso que Sherlock depositou sua confiança em mim.
O resto daquela semana se arrastou lentamente, igual o meu progresso no bordado, mas pelo menos eu já havia parado de me furar com a agulha, e a Sra. Lane parecia um pouco mais contente. No domingo, recebemos uma costureira londrina que mamãe havia contratado especialmente para tecer novas roupas para mim, afinal de contas, todas as outras que eu tinha já estavam velhas e desgastadas.
Meu guarda-roupa havia sido agraciado com cinco novos vestidos cheios de camadas. Eu também havia ganhado um apetrecho chamado anquinha. No início eu não entendi o que um pedaço de ferro fazia em cima da minha cama, então o Sr. Lane me explicou que as moças usavam aquilo como suporte por debaixo de suas saias, para poderem entufá-las. Aquilo foi bem constrangedor.
Na mesma semana, os papeis de inscrição da Seleção chegaram em casa, e eu acredito que também haviam chegado em todas as outras casas com jovens de dezesseis à vinte e um anos da Inglaterra.
Nós precisávamos responder algumas questões para facilitar nossa vida no palácio (dados pessoais, alergias, gostos e outros). Eu havia me encarregado a preencher os papeis sem a ajuda de ninguém, e na minha opinião, minhas respostas estavam bem colocadas.
Porém, a última pergunta me pegou de surpresa.
"Quais são os seus talentos?"
Eu pensei em responder que fazia os mais lindos bordados à mão, mas aquilo certamente era uma mentira.
Fui pega de surpresa quando vi que estava me comparando com o meu irmão. Peguei um pedaço de pergaminho velho que estava jogado no canto de minha escrivaninha e escrevi:
Sherlock Holmes: detetive famoso, químico incrível e ótimo violinista.
Enola Holmes: sabe ler, escrever e andar de bicicleta.
Meu consciente sabia que não era necessário me comparar aos outros, pois eu sabia que era boa o suficiente, mas aquela última pergunta realmente havia me deixado receosa.
O que aconteceria se eu não fosse talentosa o bastante para salvar o meu país?
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*Rainha Vitória: referência ao período vitoriano, época em que a história se passa.
->Créditos à Nancy Springer por todas as referências utilizadas nesse capítulo.
ps- me desculpem pela demora! estou com algumas coisas para resolver em casa que me impedem de ser mais ativa. desculpem pelo capítulo curto e chato, mas eu precisava explicar o porquê do novo nome da Enola. Daqui alguns capítulos eu já pretendo de fato começar a seleção e aumentar os capítulos da história.
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The Selection - Enola Holmes
FanficO século XIX estava sendo um período próspero para o povo inglês. Os lucros obtidos a partir da expansão do Império, juntamente com a consolidação da Revolução Industrial, estavam fazendo com que a economia do país estivesse sempre no topo. O povo e...