[3] O Regime Corporativo

3 0 0
                                    


Eu ainda não vi a luz artificial do dia. A verdade era que não tinha tido tempo para ver nada desde a saída da arena, sejam as pessoas, seja a cidade, seja o clima. Nada daquilo me importou enquanto corríamos rumo ao desconhecido cujo objetivo certamente seria evitar um destino pior do que a prisão.

Rosaria me separou de Raiden depois que me arrastou junto com outras três mulheres mais velhas até uma sala espelhada bem reservada.

— Eu ouvi dizer que vocês do 3 cultuam os cabelos quase como a uma divindade — uma das mulheres, uma loira, levantou os meus cabelos que mais se pareciam borracha azul enquanto Rosaria me analisava da cabeça aos pés.

— Acreditamos na preservação da feminilidade. Além de ser um ato de resistência a modernidade dos costumes do Planalto, por isso não devemos cortar e nem pintar.

— Parece que não deu muito certo para você.

— Éramos crianças quando Raiden pintou o meu cabelo com tinta permanente e eu não podia cortar por causa das regras comuns do 3 — as mulheres riram um pouco. — E... tudo só piorou com o Manhunt — ergui o rosto um centímetro, para conferir com mais desagrado a minha imagem refletida, minha resistência, meus suspiros em me achar horrível diante de mim mesma.

Cortes, cicatrizes, uma marca de queimadura perto da minha têmpora esquerda desfigurando o meu rosto, a pele do meu braço esquerdo e do meu busto queimadas e os outros cortes pela minha perna da investida de Gargo na floresta. Marcas permanentes da pior fase da minha vida.

O que Raiden pensou ao olhar no meu rosto e ver isso? Será que ainda gostava? Será que me via como um espantalho?

— Vamos precisar raspar todo ele — disse uma garota negra de olhos puxados e maquiagem forte.

Rosaria se apoiou nos meus ombros.

— Para o que faremos você precisa estar apresentável. Para o Planalto, boa aparência importa. Sinto se precisarmos romper com as tradições da sua casa.

— Depois de tudo pelo o que passei, a última coisa com a qual me importo agora é com a minha beleza... sendo q-que quase nada restou. Façam o que acharem melhor.

— Você é linda, Nova. Toda mulher é, sim?

Rosaria torceu os lábios antes de acenar para as moças, enquanto que eu apenas devia esperar para conferir quaisquer resultados futuros, sabendo que, a partir do momento em que saísse daquela sala espelhada, uma nova garota renasceria e ela devia ser indestrutível a partir de então. Se Taylor ficou tão bem sem os cabelos, por que eu não poderia?

O dilema se dissolveu quando elas terminaram e eu joguei longe a última lagrima de tristeza por ter meus cabelos raspados.

— Pode virar e abrir os olhos — coordenou Rosaria.

Eu me virei e me vi na pele de Taylor. Eu sorri largamente, até mesmo gostando do resultado. Não mais o cabelo engomado, chamuscado, repicado e coberto pelos efeitos da floresta, apenas uma garota com o rosto mais magro e a cabeça pontiaguda, com cabelos muito curtos e castanhos escuros quase pretos.

E aquele não foi o último procedimento ao qual precisei ser submetida. Ao me ver, Raiden deu um olhar de estranheza que logo foi substituído por um sorriso bobo, e os amigos dele, alguns rapazes que pareciam tão inteligentes quanto, apenas o zoaram quando eu sorri na sua direção.

Da sala espelhada fomos para o centro clinico onde fizeram inúmeros exames, constataram a minha drástica perda de peso, injetaram remédios na minha veia que desligaram praticamente quaisquer dores que eu sentia e anestesiaram todo o meu sistema a fim de aplicar uma super vitamina que seria capaz de me reerguer.

Manhunt, a Sobrevivência Humana | Exclusivos AmazonOnde histórias criam vida. Descubra agora