Capítulo 3 - O primeiro contato
Igon
Era como se realmente tivesse perdido sangue. Acordei, sentindo meu corpo pesar, como se a gravidade estivesse mais forte. Eu sei, pesadelos podem desencadear vários tipos de reação para que se tornem mais reais, então acreditei que aquilo seria apenas um efeito colateral do sonho doido que tive. Já estava achando engraçado, até que percebi a silhueta de alguém, em pé, ao meu lado. Minha visão estava embaçada, e a luz da manhã limitada, mas as roupas brancas refletiam um pouco da iluminação, assim como os cabelos cor de ouro.
- Gus? - Falei, com a voz falhada já que tinha acabado de acordar.
- Você está bem, Misael? - Perguntou, preocupado. - Eu sabia que isso iria acontecer, eu deveria ter ficado...
- Do que você está falando? - Me sentei na cama, com dificuldade, sentindo um estranho formigamento no meu estômago.
- Aqueles demônios... E pensar que eles te achariam. - Gus começou a falar sozinho, coisas que eu não conseguia entender. - Você sabe quem foi? Me diga, vou dar um jeito nisso.
- Mas do que é que você está falando?- Perguntei, confuso.
- Do demônio que te mordeu, Misael! - Gus gritou. Pela primeira vez estava vendo Gus irritado com algo. Ele pareceu se assustar com o próprio tom, e ficou desnorteado. - Não... queria gritar.
- Eu nem sei do que você está falando, Gus - Falei, ofendido pelo tom que ele utilizou comigo. - Você poderia ao menos explicar antes de se irritar.
- Certo. O que é isso, no seu pescoço? - Disse, frustrado, apontando para meu pescoço.
Toquei de leve com a mão, e senti arder, como se estivesse machucado. Nesse momento, me lembrei de meu sonho. O ser demoníaco que apareceu durante a noite. A dor das presas dele furando minha pele, e a fraqueza de quando meu sangue foi sugado para fora das minhas veias. Não foi sonho, foi real.
- Agora você entende? - Massageou a testa. - Você deve se lembrar, certo? Quem foi?
Apesar da pergunta, por algum motivo não quis abrir minha boca. Estava assustado ao lembrar do que aconteceu noite passada. Meus dedos passavam sobre a ferida, fazendo com que ela doesse, me fazendo entender cada vez mais que tudo realmente havia acontecido. O formigamento em meu estômago estava cada vez maior, me deixando desconfortável, a estranha sensação, fez com que eu desviasse meu olhar para um canto escuro do quarto. Como se tivesse borboletas no meu estômago, senti um arrepio ao enxergar o brilho vermelho na escuridão. Gus notou minha reação, levando seu olhar para o mesmo lugar, e logo, o mesmo estava exalando ódio nos olhos.
- Parece que você quis poupar trabalho. - Gus disse, tão irritado, que eu me encolhi um pouco de medo.
Clirius saiu do canto. Não parecia bravo, nem surpreso. Porém, era difícil ler sua expressão séria. Ele olhou para mim, logo após, olhou para Gus, e soltou um longo suspiro
- Esperei para ver. - Falou, cruzando os braços, olhando para Gus. - Não é todo dia que vejo um humano marcado.
- Não ligo se você é autorizado ou não. - Gus cerrou os punhos - Porém você não pode chegar perto do Misael.
- Você pode até não ligar, mas eu ligo. - Clirius disse, passando por cima da voz de Gus. - Você fala como se tivesse autoridade, mas já fui em diversos conselhos auroriais, e nunca o vi em nenhum.
O clima mudou. Gus não estava mais irritado, na verdade, com aquela única fala do outro menino, Gus pareceu tremer. Estava apavorado. Clirius se aproximou de Gus, fazendo com que o loiro desse um passo para trás.
- E por não saber quem eu sou, eu te pergunto, onde está sua autorização? - A voz de Clirius ficara mais grossa e ameaçadora. - Acredito que saiba das condições.
- E você também sabe! - Gus, com um pouco mais de coragem, aumentou a voz, afastando Clirius de perto. - Sabe que o que fizer aqui, estará colocando em riscos os três reinos! Se souberem que você entrou em contato com um ser claro..-
- O único ser claro aqui, é você. - Clirius o cortou. Gus estremeceu. - Já que se preocupa com os riscos, creio que saiba as consequências dos teus atos.
Clirius caminhou de volta para o canto escuro do quarto, e quanto mais seu corpo tocava a sombra, mas ele desvanecia.
- Te verei mais tarde, anjinho. - Foram as últimas palavras que saíram de sua boca, até que ele desapareceu, completamente.
Minha mente estava uma bagunça. Tudo, na verdade, estava uma bagunça. Gus estava parado, com os punhos ainda cerrados, nem sequer olhou para mim. Eu não sabia o que estava acontecendo, mas estava assustado, não me sentia seguro e, meu único desejo naquele momento era poder sair dali. E era exatamente o que iria fazer.
Levantei às pressas, coloquei um casaco qualquer, calcei meus tênis e corri para fora de meu apartamento. Gus corria atrás de mim, desesperadamente chamando pelo meu nome, até me alcançar já na calçada, me segurando pelo braço.
- Misael, me escuta, você não pode sair de casa! - Falou tentando me puxar para dentro do prédio novamente.
- Gus, me deixa! - Puxei meu braço com força, me livrando das mãos dele. - Por que você está assim?
- Você só deve ficar em casa, só por hoje! - Insistiu. - Eu... Eu fico com você, pode ser?
- Você está me confundindo, Gus. - Falei sério, o olhando nos olhos. Gus parou de tentar me puxar para dentro do prédio, e me olhou atentamente. - Desde que eu acordei, você só está falando coisas que eu não entendo! O que tudo isso significa? Quem era aquele homem de antes?
- Eu não posso te falar, Misael...- Falou, tão baixo que quase não o ouvi.
- Você nunca pode me falar nada. - Reclamei. - Desta vez eu poderia ter morrido, mas você não pode me falar?
Gus olhou para o chão. Nem uma palavra saiu de sua boca. E por algum motivo, não ouvi-lo dizer nada fez com que eu me sentisse quebrado. Me sentia traído. Ele sabia de algo, algo estava acontecendo, algo que eu estava envolvido, que poderia me matar, mas ele preferiu ficar quieto. Me virei e continuei a caminhar, não sei para onde iria. Gus voltou a me chamar, mas ignorei.
- Misael, por favor... - Pediu. Parei, não o olhei.
- Eu consigo me cuidar sozinho, vai embora, por favor. - Falei, e tudo ficou em silêncio.
Eu sabia que Gus ainda estava lá, pensando no que dizer, mas não queria continuar ali, nem mesmo olhar para ele. Lembrei-me de todos os dias que passei triste e preocupado por não poder falar com ele. Dos dias que senti saudade. De todos os adeus que demos, com promessas de nos vermos novamente. De achar que seríamos amigos para sempre. E nunca imaginar que Gus estaria envolvido em algo tão sério, e aparentemente, perigoso.
- Pode ir, Elyon. - Uma voz quebrou o silêncio torturante. Pude ouvir Gus engasgar na própria respiração. - Não tem necessidade de se preocupar, você sabe disso mais do que ninguém.
- Zach... - Falei surpreso, o olhando.
- O que você está fazendo aqui? - Novamente, apavorado. A voz de Gus desafinou ao perguntar sobre a presença de Zach. Eles se conhecem?
- Te pergunto o mesmo. Seu pai sabe que está aqui? - Gus engoliu seco com a pergunta. - Vá.
Gus se virou e caminhou rápido, para, assim como Clirius, desaparecer. Zach soltou um longo suspiro, e me olhou, sorrindo. Estranhamente feliz com a situação. Colocou no braço no meu ombro e riu.
- Dá pra ver a confusão no seu rosto. - Riu sozinho. - Que situação que você se meteu, hein, Misael.
Sim, estava confuso. Mais do que nunca. O que diabos estava acontecendo? Zach olhou para meu pescoço, provavelmente avistando a marca das presas de Clirius, e abrindo um sorriso maior ainda. Estava feliz, se divertindo, porém havia algo mais. Não era apenas aquilo. Um sentimento maligno refletia em seus olhos.
- Vem, vou te explicar o que está rolando.
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ADND
RomanceMisael sempre teve dificuldade em se sentir aceito. Não importa em que lugar desse mundo que estivesse, não sentia que pertencesse à ele, fazendo com que se deslocasse de tudo e todos, até mesmo se afastando de sua família. Um dia, a vida de Misael...