Chama

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Capítulo 6 - Chama

Igon

Clirius me olhou atentamente, como se observasse cada detalhe meu, e encaixasse todas as peças. Num pulo, se levantou da cama, agora nervoso, confuso. Andando de um lado para o outro, murmurando palavras, tão baixo que mal consegui escutar.

- Eu me perguntei esse tempo todo, por que meu pai me mandou para cá - falou. Parando de andar, e me olhando novamente - Ele sabia. Ele sempre soube de tudo.

- Como assim? - perguntei, tão confuso quanto sua expressão.

- Ele só me mandou para cá. Me jogou aqui. Sem nenhuma explicação. - continuou - Era isso. Ele queria que eu enxergasse isso.

- Clirius - tentei chamar, na esperança de que uma explicação me seria fornecida, mas sem sucesso. Ao invés disso, ele virou as costas, se preparando para ir embora - Espera! Vai me deixar sozinho, sem entender nada?

- Preciso voltar e falar com meu pai. - falou, agora sério. E antes de desvanecer na sombra, me olhou no fundo dos olhos. - Fica seguro, até eu voltar.

Queria insistir na explicação, ou para que não fosse tão rápido. No fundo, estava com medo de ficar sozinho. A situação em que fui colocado era tão intensa, que a todo momento sentia que viriam por mim. Sua voz, na sua última fala, possuía um tom diferente, era sincero, como se realmente desejasse aquilo, o que, de alguma forma, fez meu coração bater mais forte e mais seguro.

Mihr

Mais uma vez, caminhei pelos grandes corredores brancos e dourados. Dessa vez, me segurando para não entrar no salão com meu grande sorriso de que algo havia acontecido. Não precisei nem encostar na porta, ele já esperava por mim. Como sempre, sua expressão assustadora e sua forte presença tomavam conta do local, deixando o clima levemente tenso. Para mim, porém, não era nada de mais, na verdade, até que me era divertido ver todos aqueles deuses reunidos para aquela ocasião.

- Espero que tenha notícias. - a voz ecoou pelo salão. Pensei, por um segundo, em dizer a verdade. Mas se o fizesse, não seria tão divertido. Abri meu sorriso usual.

- Apenas a mesma coisa de sempre, vossa alteza. - falei. - não há nada de interessante acontecendo na humanidade...

- Não quero saber dos seus interesses! - reclamou. Chato, controlador, como sempre. - se estiver escondendo algo...

- Não estou. - afirmei, agora sério, apesar de ser uma mentira. - Ninguém o encontrou, e nada o diferencia de um humano comum.

Alguns sussurros surgiram após esse meu comentário. Todos naquela sala têm dúvidas de que a criança é real, e de que a encontramos. O rei espera que ela vá dar sinais, ou despertar algo que não pertença àquele reino. Já eu, acho isso uma grande perda de tempo.

A reunião acabou do mesmo jeito que todas as outras. Vozes altas, comentários desnecessários, e uma ameaça. Anjos não escolheram estar aqui. Deuses, no entanto, queriam alguém para servi-los. Todos conseguem vê-los como salvadores, ideais, perfeitos. Mas deuses não passam de seres ambiciosos, mentirosos e egoístas.

O rei, novamente, abriu a passagem para que eu voltasse à humanidade. Este era o único motivo de eu continuar este trabalho. Esta é a única chance de liberdade que eu tenho. Agora na calçada em frente ao prédio que Misael mora. Pensei em voltar para o meu próprio apartamento, mas tive um sentimento de que deveria subir e ficar com meu amigo.

Posso estar aqui por conta de meus próprios interesses e objetivos, e talvez no começo meu plano era apenas usar Misael e descartá-lo. Planos mudam. Após passar um tempo com ele, percebi que ele está tão preso quanto eu. Nossa amizade acabou crescendo mais do que esperava e, apesar de saber que não seria o suficiente para protegê-lo dos objetivos de Aurora, ao menos o guiaria para alguém que consiga.

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