Parte 1

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Existe uma teoria que diz que se uma dia alguém descobrir exatamente para que serve o Universo, e porque ele está aqui, ele desaparecerá instantaneamente e será substituído por algo ainda mais estranho e inexplicável. Existe uma segunda teoria que diz que isso já aconteceu.

E existe ainda uma terceira teoria, defendida por um jovem físico da conceituada Universidade de Maximegalon, que diz que isso acontece toda quinta-feira, na hora do almoço.

Não que a hora do almoço seja um conceito absoluto. Na verdade, a hora do almoço é algo tão irreal e mutável quando a inflação ou a dívida externa. O que realmente importa, e os Frades Almoçadores de Voondon já sabiam disso, não é quando mas onde o almoço é feito. Estudiosos do Departamento de Cybercultura, Desing Exterior e Retropsicologia Reversa da Universidade de Maximegalon, após anos de estudos de campo pesados e sérios feitos em festas nas casas de praia de Santraginus V regadas à Dinamite Pangalática, chegaram à conclusão de que:

a) Do ponto de vista puramente fisiológico, filosófico, sociológico ou metafísico, não interessa quando a refeição é feita desde que

b) Seja feita em restaurantes ricamente decorados, com garçons-robôs altamente educados e com direito à um showzinho de cortesia.

Thienk Sharkubyvizt evidentemente estava a par disto e por isso mesmo estava apreciando sua refeição – a qual, meia hora atrás havia praticamente implorado para comê-la – no Milliways, o Restaurante no Fim do Universo. Nas temporadas passadas, o espetáculo costumava ser apresentado por uma figura excêntrica que atendia pelo nome de Max Quordlepleen, mas ele se aposentou depois de um incidente envolvendo o Grande Profeta Zarquon e resolveu dedicar o resto de sua vida ao artesanato. Ele tivera de ser substituído por um grandalhão ainda mais excêntrico, que vestia umas roupas espalhafatosas e ostentava um topete fora de moda. Este se autodenominava "O Rei".

– É isso aí, gente. Estamos prestes a presenciar o fim derradeiro, o término de todo o universo e toda a existência, mas para que se estressar? Deixa fluir!

Thienk estava deixando fluir, apreciando sua refeição. Um garçom-robô montado em um monociclo se aproximou de sua mesa. Trazia uma bandeja cheia de garrafas e taças, a qual tentava equilibrar enquanto oscilava de um lado para o outro em cima daquele estranho veículo.

– Deseja mais uma bebida, nobre cavaleiro? Temos uma variedade muito grande deles. Se quiser algo para explodir sua cabeça, nosso bartender prepara a melhor dinamite pangalática de todo o universo. – Sua voz metálica era irritantemente polida. – Ou se quiser algo menos forte, eu sugiro aguardente Janx.

Alguém na mesa ao lado gritou:

- Ah, não me dê mais dessa Aguardente Janx!

Mas Thienk não se importava com isso. Olhou para o robô-garçom-malabarista por debaixo de seus óculos escuros e falou entre dentes:

– Quero apenas água sem gás.

Os olhos azuis do robô piscaram, como se não houve compreendido a mensagem, como se o nobre cavaleiro sentado à sua frente tivesse perdido a sanidade ou algo assim. Quem, em sã consciência preferiria beber água sem gás quando se pode tomar dinamite pangalática e explodir a cabeça?

– Perdão, senhor?

– Água sem gás – ele repetiu.

– Com todo prazer, senhor. Vou ter que buscar na cozinha.

E saiu. Retornou, logo depois, trazendo uma garrafa de água sem gás.

– Aprecie sua bebida, senhor – falou como se isso não fosse possível. Quem em sã consciência apreciaria uma simples água sem gás?

Em trinta minutos o universo como o conhecemos chegaria ao fim. O apresentador brindava a todos com uma canção lamuriosamente brega.

Mas eu não posso evitar de me apaixonar por você - ele cantava com sua voz de locutor de um desses programa de rádio que passam na madrugada.

Thienk não se importava. E os outros cliente na verdade nem desconfiavam de que aquele homem vestido um terno preto listrado feito sob medida, de óculos escuros, cabelo cheio de gel, sentado sozinho, no canto do restaurante, com uma maleta recostada na mesa, era na verdade um Agente Ultra-Secreto do Serviço de Espionagem da Associação Galáctica. Uma agência tão secreta que ninguém jamais ouvira falar dela.

Faltando apenas vinte minutos para o fim derradeiro do universo, uma mulher que também se vestia de uma maneira que não faria ninguém desconfiar que era uma agente ultra-secreta, sentou na mesa de Thienk. Seu nome era Amélev Vluskarvj e ela iniciou a conversa:

– Temos um novo serviço para você.

Thienk fitou-a por trás de seus óculos escuros, tomou um gole de sua água sem gás e depois perguntou:

–Para onde eu vou?

– Um planeta insignificante, nos confins inexplorados da região mais brega da Borda Ocidental da Galáxia. Um pálido ponto azul, praticamente inofensivo.

– Praticamente inofensivo?

– Sim. Os habitantes de lá ainda acham que relógios digitais são uma grande ideia.

Os dois riram, como se aquela fosse a piada mais engraçada do universo. Alguns clientes olharam desconfiados, mas depois voltaram suas atenções novamente para o Rei. Ele agora cantava uma música ainda mais brega que a primeira:

– Você estará sempre em minha mente...

– Qual o alvo?

Amélev abriu sua maleta super-discreta de agente ultra-secreto e retirou alguns papéis. Dentre eles havia a foto de um dos habitantes desse insignificante planeta.

– Seu nome é Douglas Noël Adams. Ele é um estudante em um universidade local.

– Ele não parece ser perigoso. Na verdade, parece inofensivo.

– O problema - ela disse, compassadamente – é que o Sr. Adams vive em um universo na qual se sabe a Pergunta.

– E qual o problema?

– Ele é uma singularidade. Ele sabe a Resposta.

Aquilo era uma informação importante. Aquilo mudava tudo. Como todos sabem, não pode haver um universo no qual se conheça, ao mesmo tempo, a Pergunta e a Resposta. Se as duas um dia se encontrarem, seria um caos.

– Considere feito - Thienk respondeu.

– Ótimo.

Ela foi embora. Thienk tomou mais um gole de sua água sem gás e também saiu.

– Ei, veja aqueles dois ali. Parecem dois Agentes Ultra-Secretos do Serviço de Espionagem da Associação Galáctica – disse uma iguana.

– É – respondeu uma segunda iguana. – Acha que devemos avisar aos Caçadores?

No palco, o Rei cantava uma versão acústica de Love me Tender.

Quarenta e doisOnde histórias criam vida. Descubra agora