Luzes de néon

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💫 ALICE 💫

[ Anos atrás ]


— Bom dia, mamãe — Eu chego de repente abraçando-a por trás, os  braços roçando o laço do seu avental o qual ela sempre amarra de lado.

Ela está de costas olhando com a lanterna do celular o interior do forno de onde sai o cheiro de bolo de laranja. O seu rosto volta para trás me olhando, meu queixo está apoiado em seu ombro.

— Não me abraça assim, você vai se sujar, acabou de tomar banho e colocar roupa limpa— ela diz rindo batendo de leve sua mão quente em cima dos meus dedos cruzados sobre sua barriga. Eu a aperto mais deixando um beijo em sua bochecha — Anda, vai tomar café e para de me abraçar.

Eu me rendo a soltando, seguindo para a mesa de plástico de quatro cadeiras.

— Tá bom dona Sônia, mas a senhora está me devendo um abraço, fique sabendo.

Eu ouço o seu riso com ela abrindo o forno, dessa vez com auxílio de um palito espetando o meio do bolo conferindo.

— Se eu fosse pagar todos os abraços que você vive dizendo que estou te devendo, os meus braços iriam cair. — A assadeira é colocada dentro de um armário próprio para padaria, e ela encosta na parede que dá para o quintal, aproveitando o ventinho e o Sol que hoje decidiu dar as caras após tanta chuva. — Sinceramente eu tenho pena.

— Pena de quê? — Questiono sem entender, me servindo de uma xícara de café.

— Do seu futuro namorado, não conheço o coitado mas já tenho pena dele.

— Mãe! — Eu rio perplexa ouvindo seu absurdo, isso lá é coisa de se falar da filha? Ainda mais uma filha que ama muito sua querida mãe?  — Definitivamente a senhora não é nenhum pouquinho carinhosa, rum! 

— Do jeito que você define ser carinhosa que é ficar grudada no pescoço ou nas costas da pessoa, com certeza não. 

O sino da entrada da padaria tocou, algum cliente acabou de entrar.

— Alice, você pode atender? Ainda falta terminar o outro bolo que está assando. 

— Claro, eu atendo sim. Aliás, hoje vou ficar no caixa, então a senhora pode continuar abastecendo ao longo do dia. — Fico de pé engolindo de uma vez o restante do meu café.  — Não se preocupe com o caixa hoje, dona Sônia que não é nada carinhosa.

Deixo ela rindo para trás na companhia do calor do seu forno e vou ver quem é.

Após o primeiro cliente, entre assistir algumas aulas no YouTube pelo celular e conversar com alguém vez ou outra, o dia parece correr rapidinho, ou talvez eu só esteja fazendo muitas coisas ao mesmo tempo e por isso não sinto o tempo passar. Me sinto feliz porque de algum jeito estou dando uma folga para ela hoje, seja tomando conta do caixa ou limpando a nossa única mesa após algum cliente terminar de usar. Eu quase nunca consigo durante a semana, e as suas dores têm piorado muito nesses últimos meses. Ela ainda não foi fazer os exames, vive enrolando com a desculpa de não poder parar de trabalhar, mas com certeza deve estar com poliartralgia, ou qualquer doença que ataca os ossos.

— Eu esqueci de falar com você — Minha mãe aparece falando ao meu lado, enquanto eu estou beliscando um pacote de amendoins salgados.

— Sobre o que? — Pauso o vídeo para ouvi-la. 

Ela está séria, não, séria não é a definição. Ela está tensa, decidindo se me fala ou não.

— A senhora está me deixando preocupada — Eu rio, nervosa — Fala logo o que é. É sobre o meu passe livre? Se for por isso está tudo bem, segunda eu vou no centro resolver sozinha.

Nas batidas do CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora