22. Afável

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S/N
Mansão Hichello Richards, Los Angeles
6 de março de 1987, 20:47

 Sentada à mesa de jantar de madeira, sinto a textura levemente áspera da superfície sob minhas mãos. O forro em renda branca contrasta com o marrom escuro da mesa, criando uma sensação de pureza e simplicidade. Um prato de macarrão com molho de hortelã é servido à minha frente, com a fumaça quente subindo delicadamente em direção ao teto. O cheiro é delicioso.

 Enquanto tento apreciar minha refeição, ouço a conversa animada de Henry, Daniel e Michael. Suas risadas reverberam pelo ambiente. Eles falam com tanta animação que suas palavras se fundem em uma melodia de vozes.

 No entanto, mesmo com toda essa beleza ao meu redor, a voz de Henry parece mais alta do que nunca, martelando em minha cabeça como um tambor constante. Eu fecho os olhos, tentando me concentrar em outras coisas, mas a lembrança de seus traumas é avassaladora.

 É como um espinho que penetra em minha mente, despertando lembranças dolorosas que eu preferiria esquecer. Sua voz rouca e penetrante é como um eco de um passado que eu preferiria não lembrar nunca mais, e me sinto tentada a fechar os ouvidos para não ouvir mais. Sua voz está sempre presente em minha mente, como um fantasma que me persegue.

 Tento me concentrar no macarrão em meu prato, observando como os fios se entrelaçam delicadamente em um emaranhado incrivelmente saboroso.

 — Está tudo bem meu amor? — Michael me pergunta gentilmente, ele finalmente percebeu que não estou bem? — Quer se retirar quando terminar? — ele pergunta em um tom baixo e discreto como sempre, gosto disso nele — Percebi que não estava bem quando voltamos, não me aproximei e te deixei respirar porque você gosta de espaço quando não está bem!

 — Estou bem meu anjo — abro um sorriso disfarçado para ele que não acredita que estou bem, mas, finge que acredita.

23:03

 Deitada sozinha em minha cama, eu tento encontrar respostas para as perguntas que não saem da minha mente. Enquanto observo o teto, a meia-luz do quarto me faz pensar em como tudo parece tão incerto e imprevisível. As sombras das folhas da árvore que se projetam no teto parecem dançar em uma dança suave e tranquila, mas eu não consigo sentir a mesma serenidade.

 Henry, meu ex-namorado, é a fonte de toda essa agitação. Seu comportamento silencioso me deixa inquieta, como se ele estivesse planejando algo que eu não consigo ver. Será que ele está usando River para chegar até mim? Será que ele quer se vingar de alguma forma?

 A ideia me aterroriza. Henry sempre soube da nossa amizade, mesmo sem nunca ter conhecido River pessoalmente. Ele é uma pessoa doentia, um ser repugnante que já me agrediu de todas as formas enquanto namorávamos. Eu não posso confiar nele, mas a perspectiva de que algo ruim possa acontecer me mantém em constante vigilância.

 Eu sei que talvez eu esteja sendo muito irrealista, mas não consigo evitar. Eu quero acreditar que ele mudou, que ele é uma pessoa diferente agora, mas a realidade é que eu não consigo confiar nele. Sua presença tão perto de mim me faz sentir como se estivesse prestes a perder o controle, como se pudesse enlouquecer a qualquer momento. Eu preciso proteger River e a mim, mas como?

 Não posso simplesmente ignorar as minhas preocupações e esperar que tudo se resolva sozinho. Eu me sinto muito sozinha e presa nesse problema que parece não ter solução. O que eu devo fazer? Eu fecho meus olhos e respiro fundo, tentando encontrar um pouco de calma e clareza.

 — S/N — escuto a voz de Michael chamar por mim bem baixinho. Abro meus olhos e viro minha atenção para a janela, e lá está ele, com aquele sorriso adorável. Mas por que a janela? Levanto-me da cama apressadamente, preocupada que essa alma infantil presa em um corpo adulto acabe caindo da árvore.

 — Por que não pela porta? — questiono assim que abro a janela, permitindo sua entrada, mas, ele apenas me entrega uma cesta de piquenique que está fechada.

 — Não vou entrar, só queria trazer suas coisas favoritas. Doces e sucos. Percebi que você não estava bem, e sei que gosta de ter seu espaço quando não está se sentindo bem. Então, queria apenas entregar isso para você! — fala com um tom doce e reconfortante.

 — Obrigada! — um sorriso genuíno se forma em meus lábios pela primeira vez hoje — Isso significa muito para mim — Michael suspira enquanto me encara, com aqueles olhos brilhantes e bobos. Ele é tão adorável.

 — Eu te amo, nos vemos amanhã! — ele joga um beijinho no ar e começa a descer da árvore, que fica bem próxima à janela — Você é o meu amor, meu grande amor! — Michael canta olhando para mim assim que desce completamente da árvore — Oh, linda garota dos meus sonhos, permita-me te amar até o fim dos meus dias! — ele cantarola a canção que ele acaba de inventar com entusiasmo isso é um dos seus dons, e eu não consigo evitar sorrir. Ele é tão romântico e encantador — S/N, EU AMO VOCÊ!

 — Eu te amo, Michael! — respondo no volume certo, apenas para que ele possa ouvir. Já está tarde e imagino que todos já estejam dormindo. Jogo um beijinho para ele que sai sorridente e saltitante.

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