O intruso bagunceiro

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Porque eu sou apenas uma rachadura,

Neste castelo de vidro.

Não há quase nada para você ver.

ᕦ⁠⊙⁠෴⁠⊙⁠ᕤ

— Durma aqui hoje.

Creio que é desnecessário dizer que a resposta de Sett foi instantaneamente afirmativa, não houve sequer hesitação. Apressou-se a terminar a louça e tratou de guardar os restos da sopa na geladeira. Ainda chovia lá fora, tornando aquele pequeno apartamento um lugar estranhamente quente e aconchegante.

— Tem guarda-chuva? — Sett indagou, secando as mãos.

— Tem. — Aphelios virou-se para ele. — Você vai... sair?

— Você sabe onde eu moro, não é longe. Só vou pegar uma muda de roupas.

Luz.

Quando Sett deixou o apartamento, Aphelios finalmente notou: ele era luz. Havia algo em Sett que brilhava, e não era seu sorriso ou seus olhos, era algo em seu tom de voz, em seu riso, em seu modo de pensar e agir.

Aphelios não conseguia decidir se se sentia encantado, ou sentia apenas inveja.

Com cuidado, ele se levantou. Seus pés descalços tocaram o chão frio e ele estremeceu. O cômodo que cintilava antes com cheiro de sopa, risadas e piadas agora estava opaco, e Aphelios pegou o celular e andou até a janela.

Sett era luz, Seraphine era luz, mas Aphelios sequer tinha o brilho cinzento de uma estrela. Ele era apenas escuro, e não havia nada de interessante em algo que não reluz e nem cintila. As pessoas preferem noites estreladas ao vazio de uma noite mergulhada em nada.

Precisava acabar com aquilo.

Mesmo assim, seu dedo não conseguiu apertar no botão de ligar, apesar de ter discado o número de Seraphine rapidamente. O céu de repente ficou claro com um relâmpago cortando as nuvens, mas logo voltou a ficar cinza. Chovia, chovia e Aphelios não sabia o que fazer.

— Como você faz falta... — Sussurrou, apagando o ecrã do celular. — Alu...

O quarto de repente ficou ainda mais pequeno, a cama desarrumada tornou-se correntes que o prendiam à memórias antigas, o ar desapareceu e Aphelios sufocou. A tempestade que cortava o céu era a mesma que cortava seu coração, criando uma rachadura que dificilmente seria curada. Aphelios podia ouvi-lo quebrando, podia ouvir os cacos espalhando-se por todo lado.

O quarto fechou-se, tudo ficou escuro e Aphelios não podia respirar. Precisava sair dali, precisava fazer as paredes pararem de fechá-lo naquele maldito cubículo, não importava mais se Sett estava lá ou não.

Precisava fazer parar de chover.

ᕦ⁠⊙⁠෴⁠⊙⁠ᕤ

Roupas, alguns salgadinhos e seu notebook antigo, guardado no fundo do guarda-roupa quando conseguiu comprar seu computador. Sett fez alguns planos de como passar a noite com Aphelios, e infelizmente não envolvia o que ele estava buscando desde que chegara na Academia Shoma.

Mesmo assim, Sett não estava frustrado por Aphelios estar doente, o que era estranho. Resolveu não pensar nisso e enumerou mentalmente alguns filmes que poderia sugerir para assistirem. Nada melhor que cobertor, comida nem um pouco saudável e um bom filme em uma noite chuvosa. Está certo que sua companhia era relativamente duvidosa, mas quem se importava?

Apertou o passo e trouxe sua bagagem para mais perto, com medo de molhá-los. Ventava muito e a chuva o atingia em todo lado, apesar do guarda-chuva. Empurrou o portão enferrujado do prédio do presidente e estava prestes a correr para chegar logo na recepção quando algo chamou sua atenção.

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