II

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Na 12ª era da vida humana no planeta, a Terra compreendia grandes extensões de espaço inabitado e seco, enquanto boa parte da água seguia congelada nos polos. A humanidade evoluiu e estabeleceu-se ao lado de outras criaturas igualmente inteligentes, em sociedades que priorizavam o desenvolvimento de poderes psíquicos e mediúnicos à vida material das pessoas.

Eram, entretanto, tempos de mudanças extremas, e a magia encastelou-se. Dragões e outros seres mágicos, prestes a se extinguir, e calotas polares a derreter, aumentando os oceanos e dividindo a terra seca, isolaram ainda mais as comunidades que tinham se formado entre as montanhas e o grande deserto.

Akem era uma das maiores cidades-Estado do final da 12ª era, construída nas montanhas, sobre as altas escarpas. Governada por príncipes progressistas e protegida por bruxos e dragões, restava como um bastião dos estudos da magia e da percepção, em meio a um planeta que se transformava rapidamente e uma humanidade que se espalhava com o ímpeto de dominá-lo pela força bruta, sobretudo no sul do continente, onde a magia não tinha raiz.

Até aquele momento, tinha sido poupada dos efeitos das inundações causadas pelo reinício do degelo, enquanto outras tantas cidades ao pé da montanha estavam soterradas para sempre. Isso porque fora erguida sobre os penhascos, suas casas fixadas nas farpas de arenito, tão alto que nem todos podiam subir com as próprias pernas. A escada que levava à cidade somava cerca de novecentos degraus, mas esses em si eram grandes e exigiam passos largos e musculosos. Os residentes, contudo, encontravam lá tudo que precisavam para viver e raramente desciam.

Havia cinco dragões conhecidos em todo o Norte: três em Akem, dois em Astrar. Se eram mais que isso, estavam perdidos para a humanidade e nunca seriam encontrados. Dragões foram um dia a principal força de proteção das cidades, mas já àquela altura eram poucos e raros.

Entre os humanos, no entanto, a magia ainda escolhia seus discípulos e destinava-os à vida que teriam. Crianças que manifestavam algum poder mediúnico ou psíquico eram levadas pelas irmandades de bruxos ainda cedo, e aprendiam a feitiçaria que ampliaria sua magia original, tornando-se os grandes curas e guerreiros daquele tempo.

Embora compartilhassem o dever de proteger a cidade, bruxos e dragões não necessariamente se entendiam. Eram espécies diferentes, com modo de vida, necessidades e visões distintas. Dragões eram criaturas reservadas e emocionalmente complexas, que podiam viver centenas de anos e por isso viam a vida de um ponto de vista longo que os humanos simplesmente não alcançavam. Os bruxos eram pessoas apenas, porém frequentemente com poder demasiado para corpos e mentes tão passageiros.

Dois dos dragões de Akem, Seokjin e Darsila, estavam acasalados havia aproximadamente seiscentos anos, que era também quase a sua idade. Eles tinham vivido entre outros dragões e conhecido os próprios pais, embora já não tivessem tido irmãos. Não tinham tido filhos também, sendo esse o maior sintoma da gradual extinção da magia, os seres que a portavam ficando cada vez mais escassos e menor o número de nascimentos. Ninguém mais esperava que eles se reproduzissem.

É por isso que quando um ovo foi encontrado enterrado no deserto, quando não mais se supunha possível, o Principado de Akem moveu todos os recursos para trazê-lo à cidade. TH tinha nascido ali havia vinte anos, e era chamado o último. E cresceria e seria sempre só, pois nunca encontraria um par.

Os outros dois viviam preocupados com ele, e tentavam compensar a inevitável falta de um outro sendo os melhores pais, ou, ao menos, os irmãos mais velhos que podiam ser. A diferença de idade, porém, era enorme. Os dragões não eram feitos para viver sempre sozinhos, ao contrário disso, e muito mais que outras espécies, eram altamente dependentes da relação com um par para se realizarem afetivamente.

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