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Eu já podia sentir os primeiros raios de sol do dia preenchendo o meu quarto enquanto eu acordava, pouco a pouco. Era a minha primeira semana dormindo com meu quarto quase totalmente exposto para o mundo lá fora, e isso ficava bem claro pela falta de cortinas me escondendo do sol da manhã.

É claro que eu já havia levado em conta que meu quarto ficaria um pouco mais frio do que de costume ao longo da madrugada, mas se isso significasse que eu poderia acordar naturalmente, antes de qualquer despertador apitando em meu ouvido, a temperatura baixa valeria a pena. Não que eu me importasse tanto assim de usar um despertador, é que eu havia escutado em algum lugar que, quando dormimos bem e acordamos naturalmente, com calma, temos mais chances de nos lembrar dos nossos sonhos. Era só um experimento.

Eu esfreguei meus olhos uma última vez antes de abri-los, me espreguicei, e levei mais uns minutos olhando para o teto, frustrado por não ter memória alguma dos meus sonhos daquela noite. Talvez eu estivesse colocando muita pressão em mim mesmo para tentar me lembrar... Ou talvez eu nem sequer sonhava. E se eu não era capaz nem de sonhar... como eu saberia o que fazer da minha vida?

— Hoseok, querido... não quero que você se alimente com pressa...

Mesmo a voz de minha mãe soando suave do lado de fora de meu quarto, eu me levantei em um pulo, abrindo a porta prontamente para poder desejá-la um bom dia.

— Eu já estava acordado, sabia?

Ela sorriu comigo, e deixou um beijo em minha testa antes de voltar para a cozinha, fazendo um movimento com sua mão para que eu me apressasse em segui-la.

Nós conversávamos animadamente durante a maioria das refeições, mas as coisas estavam um pouco diferentes desde que minha irmã mais velha havia ido para a faculdade. Ela sempre foi muito estudiosa, então nós tínhamos certeza que ela conseguiria se mudar para a capital para estudar veterinária. Eu a admirava muito, e estava imensamente orgulhoso dela por isso, mas... eu admito que preferia quando ela morava conosco.

Não me entenda mal, eu gosto da companhia dos meus pais, e ainda converso com Jiwoo diariamente por mensagens. Mas era a melhor coisa do mundo chegar em casa e poder desabafar todas as minhas aflições para alguém em que eu confiava tanto. Eu sabia que logo seria a minha vez, mas eu não via muitas perspectivas como as que sempre existiram para Jiwoo...

Não muito tempo depois, quando eu já vestia meu uniforme e terminava meu café da manhã, pudemos ouvir as batidas impacientes na porta e a campainha tocando incessantemente, seguidos por uma risada vinda de Taehyung e uma censura vinda de Namjoon.

— Não cause uma cena, Tae! - dizia a voz de Namjoon, sussurrando tão indiscretamente que podia ser ouvido através das paredes.

Eu sorri, imaginando o que diabos estava acontecendo do lado de fora.

Após me curvar, despedindo-me de meu pai, e dar um breve abraço em minha mãe, corri para a porta para finalmente encontrá-los. Taehyung seguia gargalhando pela desaprovação de Namjoon, que estava aterrorizado com a possibilidade de seus pais ficarem sabendo sobre qualquer mínima desordem que ele pudesse estar envolvido.

— Eu sinceramente não sei por que é que você sempre fica tão desesperado assim, hyung. Eu tenho certeza que você vai sentir muita falta de mim quando for morar em Seul naqueles dormitórios chiques daquelas faculdades chiques... - o início do discurso de Taehyung até fazia sentido, mas ele foi gradualmente perdendo toda a razão.

— Aish, Taehyung-ah, dormitórios de faculdade não são chiques. Eu mostrei as fotos que Jiwoo me mandou, você se lembra? - rebati.

Taehyung deu de ombros, comprimindo seus lábios em um sorriso engraçado enquanto andava com passos preguiçosos.

Nós três éramos um grupo de amigos bem excêntrico. Namjoon tinha uma inteligência infinita. Inteligência de escola, aquela que realmente importava. Nós dois nos formaríamos naquele mesmo ano, mas as coisas pareciam bem melhores para ele do que para mim. Eu ficava sempre muito feliz por todas as conquistas de Namjoon, é claro, mas o fato de eu ser mais velho do que ele me deixava um pouco inquieto. Eu sentia essa responsabilidade de dar certo em algo na vida, principalmente por estarmos no último ano da escola.

Já Taehyung ainda tinha mais um tempo para pensar nisso. Ele era um ano mais novo do que eu, e uma personalidade completamente diferente da de Namjoon. A princípio eu não entendia por que é que ele se tornou nosso amigo, mas então nós percebemos como Taehyung se interessava por coisas tão específicas e temas tão absurdos... pelo menos nós conseguíamos nos encontrar no meio disso tudo quando nos juntávamos em sua casa para passar o dia todo jogando videogame ou assistindo os filmes de terror que ele selecionava a dedo para nos mostrar.

Cada um deles tinha suas particularidades, que na minha opinião os tornava tão únicos... Eu sempre quis ter algo assim, mas não conseguia ver perspectiva alguma para mim. Namjoon era o cara inteligente. Taehyung era o cara esquisito. E eu era apenas um cara. Nada demais. A única coisa que poderia colocar o meu nome em algum lugar na escola, era o fato de eu ser o representante da minha classe no Conselho Estudantil, mas apenas porque ninguém mais quis absorver mais uma responsabilidade logo no último ano. E bem... no fundo eu gostava de ser parte daquilo. Eu me sentia importante, mesmo que eu precisasse simplesmente participar, uma vez por semana, de uma reunião em uma sala improvisada com nosso professor de Literatura e mais outros 8 alunos voluntários.

Aquilo foi até bom para que eu ampliasse um pouco o meu círculo social, afinal minha mãe se preocupava muito com o fato de que eu só tinha dois amigos. Ela também dizia que aquele "título" me ajudaria muito quando eu fosse entrar em uma faculdade. Eu não conseguia entender o porquê.

— Vejo vocês à tarde? Nós vamos caminhar hoje? - Perguntei, quando estávamos prestes a nos separar, cada um para sua aula.

Taehyung foi o primeiro a responder:

— Conte comigo! Eu quero comprar uns salgadinhos para amanhã.

Nós dois encaramos Namjoon, sorrindo e implorando uma resposta positiva.

— Ok, eu vou também. Só não vamos demorar tanto no mercado, por favor.

Eu e Taehyung fizemos nossa pequena celebração silenciosa, fazendo Namjoon sorrir, e logo nos despedimos.

Eu sentiria falta disso quando formasse. Essas caminhadas sem muito destino, para conversar e gastar nosso dinheiro com besteiras era a nossa pequena tradição.

Como já era de costume, conferi se aquela era, com certeza, a sala correta. A pequena placa de metal em cima da porta dizia "Sala Park Jongsoo" (todas as salas da escola eram dedicadas a pessoas notáveis - ou simplesmente pessoas ricas - da cidade, que doavam dinheiro para a escola), e após checar vinte vezes no cronograma em meu celular, finalmente entrei, para iniciar o meu dia.

climb to my roomOnde histórias criam vida. Descubra agora