1. Clinica Campos

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Tinha acabado de deixar o Léo com o Igor. Eu iria para a minha primeira consulta com a neuropsicóloga.

Durante todo o caminho me sentia nervosa, mas quando entrei naquele consultório com todas paredes pintadas com tons de branco e lilás consegui me acalmar um pouco. Lilás é a minha cor preferida e tudo naquela sala de espera era muito bem decorado e nada fora do lugar.

Continuo andando lentamente pelo local até avistar uma cadeira e me sentar. Volto a observar e fico contando mentalmente quantas coisas existem aqui, tudo muito minimalista, mas com muitos detalhes o que vai me acalmando mais.

  — Valentina Albuquerque! - Sou desviada pela voz da recepcionista.

  — Olá, bom dia! - Dou um sorriso meio sem jeito.

— Olá, tudo bom? A sala é logo ali a direita. - A mulher disse simpática indicando a direção.

Sorrio desengonçada e vou a passos largos em direção a porta já adentrando.

— BomD-desculpa senhorita Campos, esqueci de bater. - Falo tão rápido que não sei se escutou direito.

— Tudo bem! - Ela disse simpática. - Sente-se por favor! - Pediu.

Me sento ainda sem saber muito como reagir ou o que fazer e quando dou por mim sinto meus pés mexendo freneticamente dentro de meus sapatos.

— Estou percebendo seu nervosismo, então para quebrar um pouco, pode me chamar de Luiza. - Ela disse mostrando os dentes brancos tão lindos.

— Pode me chamar de Valentina então. - Falei tentando sorrir um pouco para não parecer mal educada.

— Então, o que te traz aqui? - Perguntou.

— Bom, eu sempre me achei estranha, mas nada nunca muito relevante até o diagnóstico de autismo do meu filho, desde quando a pediatra disse sobre a genética isso ficou ecoando na minha cabeça.

— Você acha que você é autista? Me conte mais sobre você por favor. Essa nossa primeira sessão será somente para nos conhecermos melhor, não se preocupe, e amanhã podemos começar os testes. - Disse esboçando um sorriso sem mostrar os dentes tentando me passar confiança.

— Além disso da genética do meu filho, não sei se foi uma boa coisa, mas andei lendo umas matérias e foi quando eu percebi que estava lendo minha própria biografia. Eu sinto que até consigo interagir, mas não é algo que me gere tanto conforto, não consigo expressar meus sentimentos verbalmente. - Falei e pausei suspirando um pouco. - Em meio comunicação não consigo compreender as coisas diretamente, preciso de talvez um estímulo? Nessa pesquisa também eu acabei me deparando com o nome hiperfoco. - Enruguei um pouco a testa. - Desde muito nova que tenho uma fixação por gatos, passava o dia inteiro desenhando gatinhos e assistindo coisas sobre e absorvendo o máximo de informações possíveis.

— Tenho noção de como deve ser essa falha na comunicação mas estamos aqui para te ajudar, certo? - Disse e eu assenti.

— Conte-me mais! - falou colocando os braços sobre a mesa.

— Também li sobre comportamentos repetitivos e falar sobre os mesmos assuntos ou perder o controle em situações de imprevistos. Bom, esse é um ponto bem específico da minha vida, apesar de sermos afastadas minha mãe sempre frisou que eu vencia as pessoas pelo cansaço, assim agora tanto como criança, era para brincar com as mesmas coisas e as mesmas histórias ou de fazer as coisas sempre do meu jeito, como: comer os mesmos alimentos ou fazer os mesmos caminhos. Eu comecei a dividir mais as coisas depois do Léo, nunca gostei que pegassem nas minhas coisas ou fizessem uso, principalmente. - Frisei.

— Então você acredita apresentar uma seletividade alimentar e uma rigidez cognitiva? - Me questionou ajeitando um pouco a sua postura entrelaçando os dedos.

— Seletividade alimentar sim, na verdade, sempre disseram que eu tinha o paladar infantil (risos), minha mãe sempre reclamou muito por eu só comer um biscoito durante a infância e também não tolerar alguns tipos de texturas, como molhadas, ou coisas misturadas, durante um tempo que estudei em um colégio integral, eu precisava levar minha própria comida, foi bem frustrante essa época pois eu precisava fazer isso escondido, já era maior de idade e isso me tornava infantil? - Falei sentindo meu semblante já cair um pouco. - Sobre as mudanças, isso sim eu diria que é algo que me sobrecarrega bastante. Já tentei fazer amizades e até durou um tempo, mas se acabaram por quebra de rotina, acabava tendo crises horríveis por uma mudança de planos, sempre estranhei o fato das outras pessoas no máximo ficarem com raiva no dia e no outro já estarem de boa, quando isso me gerava uma carga de estresse muito forte.

— Esses relatos serão bastante importantes, eu fico feliz por ter conseguido me contar tudo isso, durante as consultas tenho certeza que vamos nos conhecendo mais e criando um laço, bom, ficamos por aqui? - Ela fala desfazendo as mãos e ajeitando os cabelos.

— Tudo bem, sinto que você vai me ajudar muito, e fazer eu encontrar a verdadeira felicidade, muito obrigada! - Agradeci me levantando e indo até a porta direcionada por ela.

— Vamos caminhando, até amanhã?

— Até amanhã. - Respondi e ela se aproximou de mim e me deu um abraço caloroso.

Me despeço da Luiza e vou caminhando até meu carro com o coração mais leve por está sentindo que tô fazendo algo por mim, sinto que coisas boas estão por vir.

Estupidamente Atípica - ValuOnde histórias criam vida. Descubra agora