Pov Valen
Acordei com as batidas incessantes na porta e me levantei alterada conferindo as horas. Oito da manhã. Quem acorda alguém essa hora? Fui pisando duro até a porta, mas quando abri me deparei com meu pequeno no colo de Igor.
— Mã!
— Oi meu amor!
Peguei o menor em meus braços o enchendo de beijinhos até que apareceu uma Luiza com o rosto amassado na sala se juntando com a gente.
— Mã! Lu chegô! - Léo falou gritando, tentando sair de meu colo correndo em direção a Luiza e agarrando as pernas da mesma.
— Lu! - Disse ele novamente ainda eufórico.
— Oi carinha. - Luiza se abaixou ficando de sua altura para acariciar seus cabelos.
— Lu chegô. - Repetiu.
— Sim, querido. Vamos tomar café?
Léo se entreteve com a Lu e eu tive tempo de agradecer o Igor por tudo e contar algumas coisas por alto. Depois nos despedimos, e assim pude arrumar o café de Léo e me despedir devidamente da Luiza.
— Vamos meu bem, nós precisamos ir para sua terapia.
****************
O pequeno ser me olhou com os olhinhos pequenos de como se fazia entender enquanto terminava de comer seu cereal. Quando finalmente acabou, arranquei o carro com meu filho direto para terapia.
Não era a primeira vez dele lá, o deixei na sala e fiquei andando pelo espaço do lado de fora até que me deparo com uma colega do tempo do colegial.
— Valentina, quanto tempo.
— Realmente.
— Como você está? Parece...diferente.
— Estou bem, e você?
— Eu vou...- Fora cortada pelo meu celular tocando.
— Só um minuto! - Peguei meu celular e era Luiza.
Bip On.
— O-oi. - Falei com a voz um pouco falha.
— Oi Valen, já chegou na terapeuta?
— Sim.
— Está tudo bem?
— Sim...eu preciso desligar. Beijos! - Desliguei ainda meio eufórica, estar ao lado dessa pessoa me deixa nervosa.
Bip Of.
— Quem é? - Fui cortada dos meus pensamentos pela voz da mesma.
— Uma...amiga. - Menti.
— Me surpreende você ter amigas.
— Ah...é? Não disse que eu estava diferente?
— Valentina...não seja tola! No colégio você era uma esquisita, não falava e quando falava era só para falar bobagens, parecia um papagaio de tão repetente. Por isso não tinha amigas, quem aguentava?
— Ok. - Falei enquanto mordia a bochecha interna e mexia minhas mãos atrás das costas.
— Pensa que não percebo o que está fazendo? Ninguém quer estar ao lado de alguém que fica fazendo movimentos repetidamente.
Minha mente entrou em uma inércia, simplesmente não conseguia me mover ou falar algo. O único pensamento era nela. Luiza. Droga! Eu vou falhar novamente, eu vou falhar! Droga!
— Você está me ouvindo? Valentina? Você precisará parar de ser essa pessoa se quiser ter amigos... Olha, não tenho mais tempo, tchau.
Ela nem mesmo percebeu o buraco negro em que eu estava entrando, simplesmente me abaixei e sentei abraçando minhas próprias pernas. Droga! Droga!
Pov narrador
Com isso Valentina finalizou sua manhã pegando o menor e adiando todos os trabalhos que a mesma estava empolgada para iniciar.Desde que descobriu que era autista, Luiza insistiu que Valentina não deveria tomar remédios, não havia nada de errado com ela, algumas terapias e estaria tudo certo. Mas, neste momento, Valen não estava pensando com clareza, e com tantas distorções cognitivas ela procurou o primeiro remédio que havia na internet para "tratamento" de autismo, já o comprando. Com todas essas emoções, ela ia acabando de se afundar, lembrando de sua infância onde escutava sua mãe falando que queria que a mesma fosse normal e levasse amigos para casa. Era normal familiares relatarem ao levarem seus primos ao colégio já terem visto Valentina, mas sempre sozinha. A verdade é que Valen não falava muito sobre seu trauma de bullying infantil, sofria muito preconceito. Pessoas dominantes da sala incentivavam os outros para que não falassem com a mesma, então ela cresceu achando que não pudesse conviver com as pessoas, que zombavam dela por ter comportamentos inapropriados.
Algumas horas depois.
O entregador já havia entregado o remédio e Valentina estava no 'looping' infinito observando a caixa.
— Quié? - Léo com sua doçura infantil perguntou genuinamente olhando para a caixa do remédio.
— Um remédio para mamãe ficar melhor. - Pensou e acabou falando realmente as palavras.
Se dando conta do que fez, procurou se corrigir o mais rápido possível.
— Estou bem, é só um remédio para mamãe ficar forte. - Contornou o menino de maneira lúdica.
💥
Umas semanas depois de já ter começado o remédio, Valentina se sentia sonolenta, achava estar mais centrada apesar de sonolenta; recebia elogios da atual empresa para qual estava fazendo uns projetos, mas ainda assim, sonolenta, porém, era a única coisa que sentia. As emoções haviam se desvairado de seu corpo, Valentina não ligava para as coisas, trabalhava roboticamente e recebia elogios mais do que nunca. Conseguia responder mensagens, ir a reuniões e olhar nos olhos por mais tempo, não parecia mais um serial killer.
O foco de Albuquerque claramente havia melhorado, só não estava focando em quem realmente precisava: Luiza. Não que estivesse se esquecido dela, mas um sentimento tomava conta dela que nem conseguia relatar qual seria. Tudo que Valentina sentia eram coisas brandas. Estava morta por dentro? Ela não sabia, mas havia parado de fazer movimentos repetidamente, parou de repetir as coisas também e só falar o que era necessário, suas fixações haviam se minado, pois não haviam emoções em Valentina... Estava morta? Não sabia mesmo, a única coisa que sabia é que estava mascarando seu autismo.
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Autore consciente falando, ajudem seus amigos neurodiversos a não entrarem nesse caminho...o masking social (mascarar autismo) é um grande prejuízo, pode trazer auto-agressão, crises fortes, depressão, ansiedade e etc para autista. Aumentando a dificuldade de ter uma qualidade de vida! Suprimir ecolalia, stims e hiperfoco são totalmente prejudiciais por fazerem parte de como nosso funcionamento é, sem eles não nos regulamos direito. Sofri isso por conta de preconceito. E até descobrir que era autista e me aceitar demorou um tempo.
Ecolalia: forma de afasia em que a pessoa repete mecanicamente palavras ou frases que ouve.
Hiperfoco: interesses especiais, são definidos, pela medicina como um estado de concentração mental intensa, no qual é intensificado o interesse por algum determinado assunto. Costumam ser associados ao TDAH, porém é uma característica muito presente em autistas. Na ausência de diagnóstico, por vezes, confunde-se com estados de fixação e obsessão.
Stims: As estereotipias são repetições e rituais que podem ser linguísticos, motores e até de postura. As estereotipias são sinais comuns de autismo. Porém, elas podem ser incompreendidas por quem desconhece como pessoa TEA se expressa.
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Estupidamente Atípica - Valu
FanficApós seu filho ser diagnosticado com autismo, Valentina decide procurar uma neuropsicóloga ao descobrir que a maior causa do autismo é a genética, só não esperava ter hiperfoco nela.