Na época em que eu fui morar com meu tio, eu ainda não tinha o trampo de animador de festas, foi só depois.
Era quinta feira e eu estava no restaurante, cumprindo com as atribuições do meu trabalho e forçando uma risada para os clientes que queriam me encher com o de sempre: pouco sal, sal demais, faltou tempero, e blá, blá, blá. Com o tempo eu aprendi a frustrar eles e eu só precisava forçar um sorriso seguido de um "ok, não se preocupe, eu vou falar com o chefe", e seguia noite à fora até dá a hora de vazar.
Na volta pra casa o ônibus é sempre uma maravilha; bancos à vontade e quase nada de trânsito. Cheguei em casa e Célia estava (como de costume) sentada em frente à TV tricotando (bem coisa de filme americano, eu sei!) Eu a comprimento e sigo pra cozinha pegar meu jantar, ela sempre deixa um prato feito pra mim.
Volto pra sala, sento no sofá e ainda com o prato na mão digo:
—Essa lasanha está ótima, Célia.—Que bom que gostou, querido. Resolvi fazer algo diferente hoje. - Diz ela.
—É bom dar uma variada de vez em quando. - Eu falo.
—Seu tio não pensa o mesmo, ele reclamou dizendo que o cuscuz era melhor, já viu isso ? Como que pode não enjoar de comer a mesma coisa todo dia ? - Ela fala me olhando e fazendo uma expressão de "tipo ?!".
Eu dou umas risadas e bebo um pouco de suco.
—Vai ver ele prefere algo que dê sustância, não ? - E dou uma risada de canto.
—Ou ele que é muito do fresco! - Diz ela enquanto põe a linha juntamente com o tricô num cesto que está logo ao lado de sua cadeira.
Passado alguns minutos de silêncio, Célia me fala que está cada dia mais perto da morte e que eu teria que ser forte para apoiar meu tio no momento de luto (pois é, ela falou assim, de supetão) e me faz jurar que eu o faria.
Eu fico sem pronunciar qualquer palavra por uns instantes até que viro meu olhar em sua direção e digo:
—A Célia, para com isso! Você não vai...então deixa de falar essas coisas, vai que o tio te ouça falando isso ?!
—Ora, Paul! Não vamos fingir que eu vou acordar amanhã forte e saudável como um touro, nós sabemos bem como isso termina. Só estamos a espera do mal irremediável, sei o quanto que será difícil para vocês, principalmente para o Osório, e é por isso que quero você seja forte para confortá-lo quando eu me for. - Diz ela.
Após terminar de falar, Célia se levanta e ao passar por mim me toca levemente no ombro enquanto diz "boa noite, querido", eu fico lá sentado em frente a TV com os olhos fitados na tela, mas minha mente está à divagar com as coisas ditas a mim por Célia.
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SOBRE PAUL
Short StoryPaul é um homem que conta sua história ou lapsos de sua vida. Desgarrado de quaisquer pensamentos fantasiosos, ele narra seus relatos com uma honestidade crua e sem rodeios.