Um frio subiu desde o pé da barriga de Aruna até o meio das costas e se espalhou por toda sua coluna quando o trem guinou para a frente e começou a se mover. O barulho das rodas deslizando pelos trilhos, alto como trovões, ecoou por todo seu corpo quando a estação de Oslo foi ficando para trás.
Uma semana havia se passado rapidamente e o dia da sua partida finalmente chegado. Aconchegada na poltrona confortável do canto, com a cabeça encostada na janela de vidro, Aruna observava os prédios passarem veloz e dar lugar a uma paisagem mais verde e com mais arvores enquanto tentava entender como se sentia.
Eram sensações confusas e todas pareciam vir ao mesmo tempo. A expectativa para uma vida nova e totalmente diferente do que estava acostumada. Ver a avó novamente depois de tanto tempo. O nervosismo por embarcar nesse desconhecido que era a faculdade. No entanto o alivio ainda era o mais presente. Aruna surpreendeu-se ao perceber que não se sentia nem um pouco culpada por sentir alivio pela sua partida.
Ela amava os pais com todo o coração. Mesmo a mãe com sua mania de controle. Mas sentia que se passasse mais tempo com eles, seus pais acabariam a levando a loucura. Não aguentava mais as brigas e acusações. Não aguentava mas a birra de dois adultos querendo estar certos o tempo todo e culpando um ao outro por coisas que ninguém tinha culpa ou então por culpa que compartilhavam. Não aguentava mais ouvir a mãe falar mal de seu pai o tempo todo, por mais que o pai fizesse o mesmo de vez em quando ainda assim era com uma frequência muito menor.
Ela só estava com a droga do saco cheio.
Não era mais uma criança pequena. Tampar os ouvidos e se encolher no quarto na vã tentativa de não ouvir os gritos e insultos já não adiantava mais. Ela sentia na pele a sensação ruim cada vez que as discussões começavam. Sentia a garganta se fechar e a vontade chorar e gritar para que parassem. Eles nunca se importavam se ela estava no meio ou não. Ou se ela os escutavam. Muitas vezes até a usavam como escudo sem perceberem. E no final Aruna ainda tentava ser a mediadora e fazer com que ficassem bem novamente porque a vida era mais fácil quando eles estavam bem.
Era tão, tão desgastante. Por isso, quando finalmente Aruna entrou no trem e ele entrou em movimento deixando tudo para trás, seu corpo relaxou de alivio.
Não é como se os problemas estivessem todos resolvidos. Não é como se eles fossem parar de brigar de uma hora para outra. Mas ela não precisava mais estar lá pra ver.
Mais uma vez respirou profundamente se deleitando com o alivio enquanto encostava a cabeça no estofado da poltrona.
A despedida não havia sido fácil. Ela sentiria falta deles afinal. Individualmente, é claro, quando o outro não estava por perto. Sentiria falta das noites de filmes com o pai da qual eles faziam pipocas e passavam horas falando sobre os filmes preferidos. Sentiria falta da mãe sentada na bancada da cozinha contando sobre o trabalho enquanto aguardava Aruna terminar o jantar.
Já na plataforma de embarque, sua mãe a olhou com os olhos cheios de lágrimas.
- Prometa que vai se cuidar, filha - pediu com a voz rouca. Olga não era uma mulher de chorar muito e nem de se emocionar, por isso era tocante para Aruna ver a mãe tão sentimental.
- Eu prometo, mãe. Vou comer direitinho e dormir bem. E você sabe, lá é seguro.
- Sei disso. Mas... - ela meio que se engasgou no meio da frase. - Vou sentir sua falta, Aruna.
- Ei, nos veremos em breve - tentou amenizar a situação. Ela não acreditava nisso no entanto, pois sabia que a mãe não iria até Flam e ela teria que esperar pelas férias para voltar a Oslo.
A mãe de Aruna a puxou para os seus abraços num aperto confortável e quentinho. Seus longos cabelos cheiravam a pêssego.
- Desculpe por tudo. - Disse baixinho no seu ouvido. - Sei porque decidiu ir embora assim tão de repente. E sinto muito.
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Akarsana - O Encanto da Floresta
FantasiAruna é uma jovem comum que enfrenta um momento difícil com a separação dos pais. Com um pai condescendente e uma mãe controladora ela se vê em uma situação que precisa decidir o que será melhor para sua vida. Ela tem duas opções: ficar e aturar as...