Déjà vu

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Amanheceu e eu mal consegui dormir. Tinha me revirando na cama e levantando uma centena de vezes arrumando e rearrumando a bolsa. A hora parecia não passar.

Eu estava ansiosa, isso é óbvio! Mas também estava em um estado de prontidão estranho, pois internamente eu me preparava para um tipo diferente de guerra. Em um ambiente que era, ao mesmo tempo, belo e hostil.

Estava chegando de surpresa, dois meses após as audições, totalmente fora do prazo estabelecido. E isso me renderia um tipo de atenção que eu não gostaria de ganhar. A verdade é que muitas ali, (mesmo não sendo o que eu chamaria de "amigas"), se conheciam desde que tinham dentes de leite. E eu seria uma "intrusa no ninho".

É uma questão filosófica:

É possível ser bom em algo... e se manter invisível?

Acho que, seja qual for a resposta, eu já havia falhado miseravelmente ao tentar.

Em minha inquietação eu me perdi em minha mente. Imaginando todas as possibilidades e situações hipotéticas do que poderia, ou não, acontecer. Era como estar no "piloto automático". E, enquanto meu corpo fazia suas próprias ações, minha mente voava como um balão solto no ar. Eu não percebi as voltas do ponteiro do relógio, nem o tempo passar.

Quando dei por mim já estava arrumada, trajando o uniforme, em frente ao espelho do meu quarto, admirando... Incrédula! Passei os dedos sobre o brasão, bordado no tecido, sobre o meu peito. Acho que esse foi o momento em que realmente acordei.

Achei aquela imagem tão estranha. Vestia um collant preto de manga longa. A gola era redonda e conservadora. Mas a parte de trás era aberta, deixando amostra quase em todas as costas. Vestia também uma saia transpassada preta, que era curta e um pouco transparente. E meia calças brancas.

Tudo era tão perfeito, tão "feito sob medida" ... que me perguntei:

"Será esta minha nova "personalidade"?"

Nesse momento a mãe da garota abriu a porta do quarto.

_ Já está de pé? Eu vim te acordar, mas, pelo que parece, você já acordou a tempos... (Disse a mãe impressionada.)

_ Acho que fiquei ansiosa e não consegui dormir. (Respondeu a garota com ar de preocupação, franzindo levemente as sobrancelhas).

Percebendo a expressão da filha, Carmem entrou no quarto e a abraçou carinhosamente. E enquanto mantinha sua pequena (já não tão pequena) em seus braços, beijou a testa da filha com zelo como se ainda fosse seu bebe.

_ Não se preocupe querida. Você está linda! Tome seu café com calma, que eu vou chamar um táxi para nos levar. (Disse a mãe carinhosamente).

Assim que terminamos de nos arrumar, mamãe chamou um táxi. Ficamos nas escadas, em frente a porta do prédio, esperando o carro. Eu me abrigava, novamente, dentro do meu casaco de estimação cinza e em uma calça de moletom que vestia por cima do collant. Carregava uma bolsa de ginástica pendurada em um dos meus ombros e meu sk8 na outra mão.

Ali, sobre as escadas, aquilo parecia ainda mais irreal.

Tudo estava pronto. Exames médicos impecáveis, uniformes rigorosamente dentro dos padrões de excelência exigidos, sapatilhas, materiais, tudo! Dona Carmem tinha se superado. E enquanto eu estava uma pilha de nervos, minha mãe exibia o mais radiante semblante de orgulho.

_ Você não vai fazer o coque no cabelo? (Carmem perguntou ao perceber os longos e volumosos cachos dos cabelos de Ivy, ainda soltos).

_ Eu vou prender quando chegar lá... Eu não gosto dele preso. (Respondeu Ivy de forma rabugenta).

A Bailarina da GaiolaOnde histórias criam vida. Descubra agora