Batons, blush, pó. Até mesmo uma latinha com esmaltes de tons claros estavam espalhados na cama. Yvette não me deixava mais em paz com a Seleção, principalmente hoje, o grande dia de se inscrever.
"Talvez se eu fizesse um coque no seu cabelo ficasse bom," ela tinha meu cabelo em suas mãos, erguendo eles em cima da minha cabeça, meu corpo em frente ao espelho "Assim todos conseguiriam ver seus LINDOS olhos. Eu já disse que seus olhos são lindos?"
"Apenas pela... pela... Como era aquele número esquisito que você tinha me dito?" Perguntei, franzindo a testa.
"Primeiro?" Tentou Yvette, ruguinhas aparecendo embaixo dos olhos, que por sinal, eram escuros.
"Não, maior."
"Décimo? quinquagésimo? Centésimo?" Ela dizia em disparada, minha visão já ficando zonza de tanto balançar a cabeça para os lados em um Não. "Milésimo?" Tentou por último.
"Sim! É isso! Você já falou pela milésima vez," disse, sorrindo animadamente.
Eu havia vindo à casa de Yvette para passar mais uma tarde livre que surgiu de repente no meu calendário. Sempre que eu não tinha serviços, era arrancada de minha casa para vir na do lado, onde ela morava. Isto não acontecia muitas vezes, até uns tempos para cá. Poucos querem fazer construções por estas redondezas, tão distantes do castelo. Todos querem ficar sempre o mais perto possível da realeza e de toda a família real. Então, sem serviços. Se isto era bom? Não! Horrível! Deplorável! Ficar sem trabalho é igual a...a... Bom, ficar sem trabalho é a pior coisa do mundo.
"Então... Seus irmãos realmente não vão se inscrever?" Perguntou ela, a boca cheia de grampos de cabelo que aos poucos eram presos em um coque.
"Não."
"Nem mesmo o Ethel?"
"Não, Yvette. Não." Respondi, rindo um pouco. Ela era apaixonada por ele desde os nossos treze anos, e apesar de ser a pessoa mais confiante que conheço, perto dele, ela parece uma formiga pronta pra ser esmagada. "Você sabe que ninguém da minha família é muito chegada a frufrus da realeza. Eu também não sou."
"Você ainda vai me agradecer," Ela respondeu, suas mãos nos meus ombros forçando-me a olhar o espelho, vendo uma garota limpa, um vestido colado que Yvette me forçou a colocar, uma maquiagem leve cobrindo o rosto. Uma garota bonitinha até, mas nada daquilo era eu.
"Pronto. Você está magnifica. E agora, tudo que falta é," ela fez uma pausa dramática, saindo de perto de mim e indo ao cômodo ao lado onde ficava a dispensa. "sapatos!"
Certo. Aquilo podia não ser lá um bicho de sete-cabeças, nem mesmo uma daquelas plantas que papai fazia para podermos começar nossas construções, aquele garrancho terrível de letrinhas que eu não conseguia entender, mas ver aquela coisa de salto fininho foi um tanto assustador.
"Não. Nã-nã-não! Eu não usarei isto aí! Maquiagem, OK. Coque, OK. Vestido ridículo, OK," Ouvi alguns protestos de Yvette sobre meu comentário de seu vestido, mas continuei mesmo assim. "Mas, esta coisa monstruosa, não."
Ela me encarou, nervosa. Aquele seu famoso olhar de Faça O que Eu Mando. Quando eu fui ver, estava no portão de sua casa, andando até a calçada, usando aquelas coisas nos meus pés. Ou melhor, cambaleando até lá.
Olhava para os lados e investigava o chão com a ponta dos sapatos tentando ganhar equilíbrio, parecendo que eu estava vigiando alguém e fazendo sapateado ao mesmo tempo. Ridícula, pensei. Simplesmente ridícula.
"Ei, Ed!" Ouvi a voz de Ethel soar de repente, me virando para trás para encontrar meu irmão, o cabelo um pouquinho comprido batendo na testa, a camisa soada grudando no peito. Pude imaginar Yvette atrás de mim, provavelmente querendo correr até ele e agarra-lo. "Ei, Yvett. Vocês já estão indo? Se inscrever, digo." Ele tinha a voz meio perdida, quase que triste.
"É, estamos sim," respondeu ela, sua confiança retornando aos poucos. "Não temos nada a perder, não é?"
"É, não mesmo", Pronto. Novamente, ela voltou a ser uma formiga. "Boa sorte, então. E, Reed, se eu fosse você, eu tiraria essas coisas dos pés. Parece que você está dançando aqueles passinhos do papai", ele soltou um risinho.
No começo, quando perdemos mamãe, papai ficou desnorteado. Ele não parava de pensar nela, não parava de se lamentar. Por isto, em uma noite, ele resolveu trazer todos nós para o centro da sala, e então começou a dançar, não se importando com mais nada. E assim eram quase todas as nossas noites; Quando ele sentia saudades da mamãe, trazia todos nós para uma dança, e nós aceitávamos sem pestanejar, fazendo o nosso próprio ritmo, como se dissemos um Olá para mamãe.
Imagens de meu pai surgiram na minha cabeça da nossa última noite de dança. Era meu aniversário de quinze anos, e lá estávamos nós, dançando. Eu, as meias felpudas nos pés, me imaginando radiante com minha camisola branca. Papai também tinha calçado suas meias, estas furadas e finas, e dava alguns giros as vezes, cambaleando um pouco para os lados, como se o chão de madeira fosse, na verdade, um piso de gelo, e as meias, os seus patins. Meus irmãos estavam apenas parados naquela noite, divertindo-se com nossa dança. Aquele havia sido o melhor aniversários de todos os tempos.
Retribui o sorriso de meu irmão, me lembrando de tudo aquilo e imaginando que, poderia ter tudo no castelo, mas o que eu tinha era melhor. Era tudo o que eu precisava.
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Projeto Princesa
FanfictionVocê já imaginou como seria viver no sótão de uma velha escolinha, escondida de tudo e todos por toda a vida? Essa era a realidade de Celina, uma garota que fora abandonada pelos pais e acolhida por uma desconhecida, que por sinal, era professora. ...