Ásia

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Ela tinha olhos azuis, olhos esses que encantavam e enfeitiçavam qualquer um que se atrevesse a olhar profundamente para eles, não era proposital, ela também não sabia como fazia aquilo, era
mais forte que ela.

Um dia ela estava caminhando pela praça e encontrou seu amigo de infância, Daniel, eles ficaram conversando por horas e depois foram para casa, no momento em que se despediam seus olhos se cruzaram por breves segundos, mas ela sentiu algo ruim fluindo do seu corpo e logo desviou o olhar.

Ela entrou em casa e ele foi embora.

Na manhã seguinte, ela encontrou um bilhete com o nome dela perto da porta da entrada e pegou, o rasgou e começou a ler quando percebeu que era uma carta escrita por Daniel.

Ásia, minha querida Ásia, porquê seus olhos não pertencem a mim?

Eles me chamam desde que eu era criança, meu maior tormento sempre foi não poder me apoderar deles, ter eles para mim e tirar de você o peso de fazer coisas que não quer, é tão difícil controlar...

Perdoe-me por estar escrevendo isso, é uma carta de despedidas, eu não consegui impedir, ninguém vence o destino.

Eu quero pedir que não se sinta culpada, você não tem culpa disso, é uma coisa que não dá para controlar, tem vida própria, estava escrito nas linhas do tempo bem antes da nossa existência, e eu juro que lutei o máximo que consegui, mas chegou a hora de partir...

A única coisa que eu enxergo são seus olhos, e eu não sei explicar como, mas o azul emite um som hipnotizante, e o brilho está tão forte que quase me cega.

Eu não posso mais resistir, não tenho mais forças, hoje eu vou com seus olhos, não sei aonde eles vão me levar, ou o que vão mandar eu fazer, mas quero que saiba que eu faria isso em um milhão
de vidas para você poder viver em paz.

Eu sempre te amei e vou continuar te amando, não se esqueça, o azul sempre encontra o azul.

Com muito carinho e amor, Daniel.


Ela largou a carta e foi correndo até a casa de Daniel, bateu a porta impaciente, depois de duas batidas apressadas a mãe dele abriu.

-Bom dia senhora China, desculpe por bater assim, o Daniel está em casa?

-Bom dia Ásia, não, ele saiu para caminhar, porquê tanta pressa?

-É que eu tenho uma coisa para entregar para ele, estava estranho quando saiu daqui?

-Estranho.... Não exatamente, só um pouco mais aéreo que o normal, foi o que me pareceu. Porquê tantas perguntas, menina?

-Nada não, a senhora pode me dizer qual é o maior ponto azul aqui perto?

-Ponto azul. Mas do que você está falando? Por acaso você e o Daniel estão usando drogas?

-Não, não é nada disso, é um jogo, e eu preciso ir até um ponto azul para achar a próxima pista...

-Eu não sei que jogo é esse, mas não estou gostando nada, o Daniel também se referiu ao mar como ponto azul hoje ...

-Mar? Mas o mar fica a horas de carro daqui!

-Não se você for até a falésia.

-Há quanto tempo ele saiu?

- Por volta de uma hora, o quê se passa com vocês hoje?

Ásia saiu de casa e fechou a porta sem responder a pergunta que lhe foi feita, seu coração batia forte e rápido como se fosse sair do peito a qualquer momento, ela só rezava para tudo não passar de uma brincadeira de Daniel e ele estar bem.

Estava olhando para os lados desesperada procurando um meio de chegar até a falésia o mais rápido possível, viu a bicicleta de Daniel e não pensou duas vezes, começou a pedalar intensamente, o mais rápido que conseguia.

Quando estava próximo da falésia viu ao longe o casaco azul que compraram juntos no começo de inverno, ele escolheu azul exatamente por causa da cor dos olhos dela.

-DANIEL - Ásia gritou o mais alto que conseguiu- por favor pare, não faças isso, podemos arranjar outra forma.

Desceu da bicicleta e começou a caminhar na direção dele, suas pernas estavam doendo muito pelo esforço que fizera para chegar ali em tão pouco tempo.

-Não Ásia, não tem outra maneira, o azul sempre encontra o azul.

-Pare de repetir essa frase, você sabe que eu nunca entendi o sentido... eu troco a cor dos meus olhos, eu arranco eles, podemos dar um jeito...

- Ásia você não entende, isso é o destino, não tem como mudar, só estaríamos prolongando o inevitável e ferindo mais pessoas.

-Podemos camuflar o azul, deixar ele de outra cor.

-Isso não funciona, seus olhos não foram sempre azuis, é a sua alma que é.

Isso foi a última coisa que Daniel disse antes de se jogar da falésia e ir de encontro ao imenso azul.

Ásia sentiu seu corpo se enfraquecer e caiu de joelhos no chão, toda a energia ruim que percorria seu corpo se espalhou em direção ao mar e ela sentiu-se limpa.

Um grito agudo e cheio de dor saiu de sua garganta e ela sentiu seu peito se rasgar ao meio, era uma dor dilacerante, se jogou no chão e ficou ali chorando copiosamente por horas.

Finalmente ela entendeu o sentido da frase, o azul sempre encontra o azul, é inevitável, é certo e agoniante.

Ela se levantou e pedalou até sua casa, foi até ao escritório do pai e retirou um punhal cigano que ficava na escrivaninha.

Ela foi até o seu quarto e cortou os pulsos, fez um círculo com sangue no chão e olhou enquanto o sangue mudava de vermelho para azul, depois do círculo estar completamente azul ela
escreveu "Ti rifiutu blu" no meio do círculo e se posicionou em cima das letras, respirou fundo três vezes e apunhalou o próprio coração enquanto repetia a frase "Ti rifiutu blu".

"Eu rejeito-te azul"

...

Europa acordou assustada e olhou para o lado, respirou aliviada quando viu Danilo dormindo tranquilamente ao seu lado.

Ficou contemplado seu amor dormindo tranquilamente enquanto se perguntava se aquele sonho podia ser um aviso.

-Bom dia minha Europa - sorriu Danilo ainda com cara de sono.

-Bom dia meu amor - se aconchegou em seus braços- ... eu tive um sonho.

-Não se preocupe, o azul nunca mais vai voltar- fez carinho em sua bochecha e ficaram conversando abraçados.

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