Já fazem duas semanas seguidas que o Apolo chega tarde em casa e no dia seguinte eu sempre ouço desculpas que sei que estão vazias e que ele voltará a cometer o erro novamente na noite seguinte. Certa vez chegou quando o dia já estava amanhecendo e de táxi pois nas condições que estava não saberia nem ligar o próprio carro, foi exatamente na manhã que eu faria a ultrassom,me recordo de passar toda a semana anterior o lembrando e no final de tudo ele chegar bêbado depois de passar a noite inteira fora de casa.
Todo o percurso até a clínica vou enxugando as lágrimas,sinto uma terrível frustração,pois meu desejo é dividir momentos assim com ele.
Mas bem no fundo minhas lágrimas são de temer desesperadamente que as palavras do meu pai sobre sua vida de bebedeira sejam verdadeiras,não saberei lidar com isso,e será mais uma coisa que terei que saber lidar nessa nova vida. Sinto pontadas no peito só em imaginar ter que cuidar do nosso filho sozinha,afinal eu não terei a quem pedir ajuda. Ponho minhas mãos em minha barriga e busco não me desesperar,mesmo tendo mil e um motivos pra isso.
Ao chegar na clínica todos esses pensamentos vão embora quando ouço os batimentos do coração do meu filho. Eu não tenho explicações para descrever a sensação que é ouvir seu coraçãozinho bater forte e saudável. Ali sinto que posso enfrentar o que vier por ele, eu farei tudo que for possível por ele, que nada nem ninguém fará eu desacreditar que serei capaz de cuidar e amar esse bebê.
Chego em casa e já está na hora do almoço,usei todo o trajeto para pensar no que farei e não consegui obter respostas. Talvez a resposta venha enquanto preparo o almoço, ou posso simplesmente sacudir o Apolo até ele acordar daquele sono pesado e lhe dizer umas boas verdades.
Passo a fazer vários barulhos pela casa com o intuito de despertá-lo até que finalmente consigo.
-Bom dia. - chega na cozinha ainda sonolento.
-São duas da tarde. - digo secamente sem tirar os olhos da louça.
-Nossa dormir de mais. Você saiu? Levantei um tempo atrás para tomar água,não te achei pela casa. Nossa que dor de cabeça. - ouço encher um copo com água.
-Sim, fui fazer ultrassom. - respiro fundo e engulo o choro que insiste em vir.
-Ultrassom? ... não acredito,era hoje? - ouço encher mais uma vez o copo.
-Sim Apolo e sei que está louco pra saber. O SEU filho está perfeitamente bem.
-Annelise,eu esqueci completamente. Sinto muito.
-Não,você não esqueceu. Você optou por não ir,não se importou em saber como seu filho está. - meu tom de voz deixa claro minha revolta.
-Não é bem assim,é claro que me importo com nosso filho. - jogo a esponja em meio a louça e me viro para olhar bem em seus olhos.
-Então transforma essas palavras vazias em atitudes, porque já estou cansada de pedir que você faça o mínimo- digo permitindo cair algumas lágrimas.
-Annelise,eu apenas esqueci da ultrassom de hoje, você fará outras e eu estarei presente. -Não vejo necessidade de toda essa raiva.
-Você apenas esqueceu uma ultrassom,apenas chega antes do sol nascer,apenas chega bêbado,apenas sai durante o dia sem ter horas para voltar,apenas me deixa sozinha dentro dessa casa.
-Viu como soa simples quando eu adiciono a palavra "apenas" no início das suas más atitudes?
-Você está exagerando,às vezes saio do trabalho e vou beber um pouco, às vezes saio com uns colegas,o fato de eu esquecer o compromisso de hoje pode acontecer com qualquer pessoa.
-Você está me traindo? - pergunto sem arrodeios.
-O que? - demonstra surpresa com a pergunta.
-Me responda,você entendeu a pergunta.
-Não, é claro que não.
-Então o que está acontecendo com você? - falei engolindo o choro.
-Só estou tendo dificuldades em me adaptar a essa nova vida,não está sendo fácil pra mim, Annelise.
-E pra mim? Você acha que está sendo fácil? as pessoas da faculdade me odeiam, eu fui rejeitada pelos meus pais,me mudei para uma cidade onde não conheço ninguém e nem tenho amigos, eu vivo dentro dessa casa o dia inteiro sozinha, vivo em uma guerra interna tentando me convencer de que sou capaz e forte o suficiente para cuidar dessa criança. Então sinto muito se não está sendo fácil pra você. - busco me acalmar pois sinto estar muito nervosa.
-Você não vai cuidar dessa criança sozinha,você tem a mim,e também não está presa aqui dentro,nada te impede de sair. - Ele parece não dar a mínima para os meus sentimentos e resolvi pôr um fim na conversa.
-Não estou - falo indo em direção a porta.
-Onde você vai? - ignoro suas palavras - -Annelise,vamos conversar- finjo não ouvir sua voz e simplesmente bato forte a porta assim que saio eu preciso pensar,pois minha mente está absurdamente bagunçada.
Caminho sem destino até que ouço uma criança alegre com sua mãe dizer que irá ao parque, apesar de perto eu nunca havia ido até lá, então sigo discretamente aquela mãe e sua criança. Quando avisto o parquinho, também percebo o espaçoso gramado para piqueniques, na sua frente tem uma enorme lagoa e bem no meio dela uma família de patos nadando.
Sento em um dos bancos que há espalhados por ali. passo a observar as crianças correndo e brincando de um lado para o outro e casais conversando;mas o que me deixa fascinada foi me deparar com um casal completamente bobos admirando o filho enquanto dorme no colo do pai. É como se não houvesse mais nada em volta deles,apenas aquela pequena criança dormindo tranquila.
Meus olhos então se enchem de lágrimas e eu ponho a mão em minha barriga que aos poucos começava a dar sinal que habitava outra vida ali.
-Eu amarei meu filho por dois,por dez se for preciso. - digo.
Com o Apolo ao meu lado ou não,eu darei todo amor necessário a ele.
Pois quando segurei o teste de gravidez e vi seu resultado eu soube que não seria fácil,ali minha vida inteira virou de cabeça para baixo,e que viria perdas,lutas e decepções,mas eu teria que vencer tudo pelo bem da criança que eu gerava dentro do meu ventre.
Observo o pôr do sol e vejo as pessoas irem embora,mas eu não consigo voltar pra casa,não quero voltar e olhar para o Apolo,tenho total certeza que só iremos dar continuidade a discussão que iniciamos,mas infelizmente a aula me "obriga" .
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Cicatrizes de uma borboleta (Livro 1)
RomanceAnnelise aos 17 anos engravida de Apolo e acaba sendo expulsa da casa de seus pais. Não apenas pela gravidez mas também por jamais concordarem com o relacionamento deles. Além da dor da rejeição, ela encontra novos desafios pela frente. Com o objeti...