Paliá teleiómata, néa xekinímata

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Velhos fins, novos começos

    Meu corpo tremia, e eu não podia dizer se era o frio acarretado pela umidade nos trapos que eu chamo de roupa, ou pelo medo.

    Estava mais uma vez na capela, sentado em um banco próximo ao altar, mais ao longe tinham-se membros do clero arrumando seus mantos escuros e se recompondo após uma longa viagem. Eles tinham conversas casuais e não me encaravam, como se minha presença não fosse grande coisa.

    Ao mesmo tempo, o padre que me ajudara, arrumava sua batina e não me olhava, temia que ele fosse ser rude comigo.

    —Creio que não tenha problema eu saber o porquê daqueles homens implicarem contigo, certo? —ele disse virando-se para mim e me encarando nos olhos.

    —Aparentemente eu roubei algo deles. —respondi de imediato sem pensar muito.

    —Aparentemente? —senti que ele pareceu desconfiado pelo seu tom de voz, ainda que sua feição permanecesse indecifrável.

    Engoli seco, não sabia como seria melhor responder a suas questões, pois mentir não parecia boa opção, ao passo que contar minha real história era ainda mais irracional, e por outro lado voltar atrás com minha resposta anterior seria ainda pior.

    Encarei-o cheio de hesitação e com cautela escolhi as seguintes palavras:

    —Na verdade, eu era um ladrão. —admiti e esperei sua uma mudança brusca no seu olhar, mas nada aconteceu. —Eu parei com isso... —fiz uma pausa buscando os termos corretos, —honestamente, mesmo os mais fiéis da aldeia não iriam acreditar, mas um dia eu sofri um acidente e eu tive um contato com Deus, pra ser mais preciso uma Deusa, eu não sei dizer qual, mas ela mudou o meu jeito de ver e a vida, e me deu um novo propósito, ainda sim a consequência do meu passado vem me assombrar, e é muito difícil mudar de vida sem ter uma segunda chance.

    Após o meu monólogo, misturado de verdades e mentiras, não recebi nenhuma resposta de imediato.

    —Muito bem, —finalmente atou a conversa novamente, —foi um discurso muito belo de fato. E senti muita verdade em ti, garoto. —eu sorri da forma mais gentil que pude. —Creio que os deuses irão te abençoar para ter um futuro muito bom.

    —Assim espero.

    —Mas acho que posso te dar uma ajudinha. —semelhante a um cachorrinho que empina as orelhas a ter seu nome chamado, eu melhorei a postura e pus-me a ter interesse pelo assunto. —Minha melhor dica no momento é dizer para tu sair deste vilarejo, vá para um lugar onde ninguém te conheça e dê o teu melhor.

    —O problema é que eu não sei sair deste lugar, eu não conheço nada, não tenho para onde ir.

    —E por acaso tem onde ficar por aqui? —esta foi uma resposta da qual me pegou de surpresa, ainda não tinha notado que não tinha um lar, e que tinha o trabalho de fazer morada neste novo mundo.

    —Não. —a voz saiu tristemente, embarga dos pensamentos de minha vida passada.

    —Bem, então por que temes? —enquanto procurava as respostas ele prosseguiu. —Se tem medo porque acha que a jornada vai ser difícil, está certo, afinal esta Deusa da qual conversou te deu uma missão, e deves cumprir mesmo que seja duro, mesmo que apareçam problemas diante de ti. Mesmo assim, isso não é motivo para desistir, afinal ela confiou essa missão a tu, e somente a tu. —acenei a cabeça, é estranhamente reconfortante escutar isso. —E tenho uma segunda ajuda a te dar. Dois de meus homens voltarão à capital para entregar o relatório deste vilarejo e trazer mais alguns suprimentos, o que acha de ir com eles?

    —Está dizendo que eu vou poder viajar com eles para longe daqui? —perguntei de maneira um tanto quanto idiota para confirmar, pois estava desacreditado de que algo repentinamente tão bom tinha me ocorrido.

    —Isso, jovem. —ele falou com um sorriso confiante mesmo com alguns dentes faltando.

    —Seria incrível. —respondi animado.

    —Então fica acertado desta forma, volte aqui depois de amanhã e esteja pronto para a viagem.

    —Sim!

    —E não esqueça de se despedir de alguém que possa te ter feito o bem por aqui, certo? —suas palavras pareciam saber de tudo, e alertaram-me de que deixaria um bom senhor, solitário e gentil para trás, que apesar de não me agradar a ideia, sentia que morreria sozinho.

    —Sim. —respondi com menos empolgação.

    Creio que em outras circunstâncias escolheria ficar por alguém que eu gostasse, porém tinha que seguir a jornada que me permitiu continuar vivo, e levaria apenas em meu peito o carinho pelos outros que passassem no meu caminho, afinal infelizmente tudo é tão breve como um sopro, como uma vida.

   

    Após de uma despedida mais seca do que deserto e mais dolorida do que a mordida de um lobo, chegou o momento de partir, eu segurei todos os rios de lágrimas e só mostrei gratidão, e recebi o olhar de "tanto faz" encobrindo a nuvem de emoções que nunca conheci.

    Fui a igrejinha, onde ganhei roupas mais novas, uma calça bege com dois bolsos grandes, uma camisa branca, que prendia-se na parte do torso por meio de botões pretos, e uma capa marrom escuro, com capuz, que me protegeria do frio e da chuva. Não joguei os trapos antigos fora, guardei-os na bolsa comprida que carregava comigo; os tecidos aconchegaram uma lâmina cortante que tinha ganhado diretamente do padre, que foi justificado por ele que era necessário por ter que me proteger.

    Não sabia como empunhar uma adaga, e tudo que era novo causava-me ansiedade, por isso só a ideia de pensar em estar em um combate revirava-me o estômago, ainda sim continuei firme, afinal já era tarde demais para desistir.

    Uma carroça, aberta e com um pouco de palha me aguardava pronta, com os cavalos posicionados em sua função e um homem de pele escura sentado na boleia.

    Um outro senhor, de aparência jovial, cujos cabelos loiros tocavam os ombros, estendeu a mão para mim e conduziu-me com um cuidado magistral para o local do qual eu poderia me acomodar. Ajudou-me a subir na caçamba do veículo, e em seguida fez o mesmo, posicionando-se não muito distante de mim.

    Com um grito deu autorização para que aquele com função de cocheiro desse o primeiro impulso para iniciar a movimentação da charrete.

    Acenos de despedidas, que eram apenas um até logo ressoaram, e eu, apenas acenei, timidamente e com gratidão, afinal, graças aquele clérigo meu caminho parecia finalmente ter um início.

Eu Vou te TrairOnde histórias criam vida. Descubra agora