CAPÍTULO 27

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Ananyia odiou a Inglaterra. O tempo era uma bosta, frio e úmido. Ela já tinha visto imagens de lá e sim, já tinha lido romances onde os personagens eram da aristocracia inglesa, mas assim que chegou, tudo o que ela conseguia pensar era que o lugar era frio, muito frio, diferente demais dos dias ensolarados da Indonésia.
Daru choramingou, ela foi até o bercinho e a pegou, graças aos Deuses ela estava bem.
Ananyia ia se sentar na cama quando a porta se abriu e por um momento ela pensou que Candid estava ali, mas aquele homem não era Candid. Ela colocou Daru em seu seio, sua priminha começou a sugar com vontade, Ananyia sorriu. Ela ignorou o homem deliberadamente, ele riu.
"Então você tem leite. Hum! Minha boca se enche de água, sabia? Acho que são os meus genes." Ananyia não tirou os olhos dos olhinhos de Daru. Ela sentia algo estranho vindo dele e sempre que ela se deparava com algo que não entendia, Ananyia não batia de frente, ela tentava aprender o máximo que podia.
"Se enche de água? Como assim?" Ela perguntou sem encará-lo. Os olhos dele eram bonitos demais, eram como os de Candid.
"É só uma expressão idiota." Ele disse.
Daru sugou com mais força, doeu um pouquinho.
"Ela não é sua filha, como pode amamentá-la?" Ele perguntou, Ananyia alisou os cabelos negros de Daru.
"Ela é minha prima. E eu não preciso ter uma filha para ter leite." Ananyia respondeu.
"Por que não olha pra mim? Você conheceu meu tio, Candid. No mínimo deve ter se sentido atraída por ele."
Atraída! Ananyia sorriu. Se ele soubesse!
"Sim, eu conheci Candid. E você realmente se parece muito com ele, embora eu acho que você é mais novo."
"Sim, eu sou. Eu só tenho doze anos." Ele disse, Ananyia não se surpreendeu. Ela tinha trinta e quatro anos, mas poderia se passar por uma adolescente.
Ele foi até ela e tocou seu queixo com leveza, Daru largou o seio e rosnou, Ananyia riu como o susto que ele tomou.
"Ela é uma ferinha." Ele disse, Ananyia beijou a cabeça de Daru.
"Sim, ela é." Ananyia tentou colocar Daru no berço, ela gritou, Ananyia riu mais ainda.
"Tá bom, tá bom! Mas você deve dormir." Ela falou, Daru sorriu. Ananyia a ajeitou nos braços e a ninou, o homem a observava. Ananyia deu as costas a ele e cantou uma cantiga de ninar para Daru.
"Onde estão Shanti e Aruna?" Ela perguntou.
"Dinesh não entregou vocês para mim. Eu só estou aqui por que tenho dinheiro, muito dinheiro e posso te comprar. Não sei o que fizeram ou vão fazer com as outras. Elas têm alguma capacidade?" Ele disse. Ananyia entendeu que ele queria saber se suas primas tinham algum valor e ela ficou em dúvida se deveria dizer ou não. Era melhor não.
"Não. Não como eu pelo menos." Era uma meia verdade. Aruna e Shanti eram filhas de Niyati, com certeza teriam alguma capacidade, mas nunca se preocuparam com isso.
"Por que você é diferente?" Ele perguntou as costas dela, estava bem próximo, seu calor chegava a Ananyia.
"Eu não sei, eu sempre gostei de saber das coisas." Ela disse, Daru fechou os olhinhos.
"Você gosta dessa menininha?" Ele perguntou no ouvido de Ananyia, Ananyia engoliu em seco. Ele era diferente de Candid, ele não era ele. E isso causou medo em Ananyia. Muito medo. Por que se ele não era dono daquele corpo bonito e poderoso, o que o impedia de tomar o corpo de Ananyia?
"Sim. Ela é minha priminha. Por favor, não faça mal a ela." Ananyia pediu, usando seu dom no máximo que dava, o que era pouco, mas talvez ele fosse atingido. Ela não podia machucar Daru.
Ele virou Ananyia tocando-a nos ombros com delicadeza.
"Isso não funciona comigo.
Mas responde a minha pergunta, você se importa com ela."
Ananyia o encarou e sondou a mente dele, e viu que a maldade nas íris fabulosas era densa, pesada, tomando todo o espaço na alma dele. Maldade pura. Ela estremeceu e deu um passo para trás.
Ele riu.
"Você realmente é poderosa, mas como eles, é vulnerável. Já ouviu falar de Livie? Olívia Graham?" Ananyia balançou a cabeça. Olívia, Livie. Um nome tão bonito e usavam um apelido! Ocidentais!
"Ela tem um dom. Um grande poder. Mas foi refém de um chip. Sabe por quê? Por que a maldade da alma no chip a controlou. Por que almas puras como as dos Novas Espécies são fracas. Livie poderia esmagar o chip com a força de sua mente, mas para isso, ela teria de mergulhar na alma do chip e isso a incapacitou. Ela precisou que retirassem o chip da mente dela, mesmo ela tendo poder para implodir um prédio." Ele disse.
Ananyia segurou a vontade de sondar a mente dele e procurar por uma imagem de Livie. Entrar numa mente a deixava vulnerável. Ela não seria burra, ela não podia.
"Eu não sou Nova Espécie." Ela disse.
"Exatamente! Você é o melhor dos dois mundos! O poder deles e a sagacidade dos humanos. Você é como eu."
Ananyia sorriu. Ela não era como ele, ela não era má. Não a toa. A maldade corroía a alma. Almas não foram feitas para serem nem más nem boas. A maldade era prazerosa, a bondade doía. Mas a maldade diminuía o tempo de vida da alma ao passo que a bondade aumentava esse tempo.
Ananyia colocou Daru no berço e lamentou o móvel ser tão pesado. Era um lindo quarto, mas o berço estava exatamente no centro do quarto. Enquanto Daru estivesse no berço, ela estava vulnerável.
Ele se aproximou e alisou o entalhe na parte lateral do berço. Era um trabalho magnífico, Ananyia ficou um dia inteiro admirando o bercinho.
"Foi feito por eles, sabia? Eles vendem seus móveis e as pessoas os compram pelo status de ter algo fabricado pelas mãos deles, mas não se importam muito com a genialidade desses móveis. Esse berço pode se transformar numa linda cama, ou numa escrivaninha com cadeira. Ou ainda num sofá. A madeira é sagrada para eles e quando a usam se certificam de que será totalmente aproveitada." Ele torceu a boca.
"Meu pai os amava e isso foi a ruína dele." Ananyia não disse nada.
"Então, tudo isso é por vingança?" Ela disse depois de um tempo de silêncio no quarto.
"Não exatamente. Há muitos sentimentos envolvidos. Mas enfim, eu não tenho muito tempo, então minha proposta é que você vai fazer uma coisa para mim e eu pagarei para que você e a pequenina sejam enviadas para a Reserva." Ananyia o encarou, ele falava a verdade.
"O que eu tenho de fazer?"
"Manipular a mente da minha esposa. Para que ela me ame." Ananyia deu um passo para trás.
Ela saberia lidar com um homem consumido pela vingança, mas um consumido pelo amor era quase impossível. Homens verdadeiramente apaixonados não tinham limites. Matavam ou morriam sem hesitar. A única coisa mais poderosa que um homem apaixonado era o próprio amor. Se era puro, o homem podia ser tão puro quanto, mas se não fosse...
Encontrar um amor puro entre os humanos era difícil e não era o caso daquele homem a sua frente. Isso era perigoso.
"Ela sabe que você não é você?" Ananyia perguntou dando mais um minúsculo passo para trás, os olhos presos nos dele.
"Não. Ela acha que eu sou Brian. Que era o antigo dono desse corpo. Mas ela nunca o conheceu. E me ama, não como eles amam, mas me ama. Ela precisa de mim." Ananyia baixou os olhos para Daru. Ele sabia que enquanto Daru estivesse no quarto, ela não poderia atingí-lo. E o fato da porcaria do berço estar no meio do quarto fez sentido.
Porém, ela não era sua tia. Ananyia fazia o que tinha de ser feito, Ananyia arriscava. E ela controlava seus poderes muito melhor que Niyati.
Mas ela tinha de estar o mais longe de Daru que pudesse.
Ananyia deu a volta no berço e o tocou, ele cheirou os dedos dela, ela sorriu.
"Rosas. O cheiro dela." Ele disse.
"Sim. Eu cheiro como querem que eu cheire."
"O que me diz da minha proposta?" Ele continuou cheirando os dedos dela. Ananyia se soltou.
"Eu faço o que for preciso, não me importo se ela ama outro. Por que está muito claro para mim que ela ama outro. Mas tem de saber que é para sempre." Ela foi até a porta e testou a maçaneta. É claro que estava trancada.
"Só sairá daqui quando fizer o que eu quero." Ananyia suspirou, se virou e viu que ele tinha pegado Daru nos braços. Ele alisava o rostinho gordinho com um sorriso tão doce que por um momento, Ananyia ficou em dúvida. Afinal, o amor doía, não era o que diziam? Ele poderia ser um pobre homem apaixonado. Um homem desprovido de seu corpo, apaixonado por uma mulher que amava outro.
"Planejava me atacar?" Ele riu e ela viu o desafio nos olhos dele. Ele gostava de arriscar.
"Sim, mas não como você pensa. Eu só queria saber o que há em sua mente. Só isso, eu não sou burra."
"Será? Invadir minha mente não é uma coisa inteligente." Ele disse.
"O controle seria seu, mas eu só ia dar uma espiada." Ela disse, ele colocou Daru no berço e deu vários passos para trás até ficar contra a parede. Aquela era a máxima distância em que podiam ficar naquele quarto.
Ele fechou a cara e ficou muito parecido com Simple, muito mesmo. Ela tinha visto uma foto dos três com os cabelos raspados numa festa da faculdade. Eles ficaram ainda mais bonitos. Tão bonitos quanto Brian que a encarava, os olhos dourados faiscando.
Ananyia respirou bem fundo, era uma armadilha. Mas ela não era covarde e ele não sabia nada dela, ele não sabia a extensão de seus poderes. Nem ela sabia os dele. Mas sua mãe criou uma mulher de fibra e ela não tinha mesmo escolha.
Ela fechou os olhos e quando os abriu estava num deserto. O sol parecia triplicado, o calor era insuportável. Areias douradas por todos os lados. Nenhuma vegetação, nenhuma sombra. Só as areias e o sol.
Ananyia se esticou, o calor a estava deixando mole, mas ela sabia que foi atraída para aquele lugar por um motivo e esse motivo não era matá-la.
"Brian?" Ela chamou.
"BRIAN!" Ananyia gritou e a areia começou a tremular como se uma máquina a soprasse. Ananyia protegeu os olhos sem os fechar totalmente e ela viu a areia começar a formar uma figura. Como uma estátua. Uma estátua de areia. No formato de um homem. Alto e forte.
"Brian?" A estátua tremulou mais uma vez como se estivesse se sacudindo, a areia a que a formava escorreu para o chão e um homem de carne e osso se postou a frente dela.
Brian, mas com os cabelos compridos. Nu. Ananyia o examinou bem, ele sorriu, o mesmo sorriso doce que quase a enganou, mas dessa vez era um sorriso genuíno. Doce, puro.
"Oi." Ele aumentou o sorriso, Ananyia sorriu de volta.

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