Quatro - Angelle

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A noite está fria. O vento sopra forte e balança meus cabelos enquanto olho para o céu estrelado. A lua cheia brilha com grande intensidade e um lobo uiva distante. Sinto um arrepio.

Eu tinha treze anos quando roubei memórias pela primeira vez. Havia acordado no que parecia ser um quarto de hospital, uma faixa estava enrolada em minha cabeça e vários curativos cobriam machucados em todo o meu corpo. Felizmente nenhum osso parecia quebrado e eu me sentia estranhamente bem, para alguém que havia caído do alto de um penhasco. Pensei sobre o ocorrido e chorei pelo que me pareceu muito tempo.

Antes que o choro cessasse um homem entrou no quarto. Sua pele era negra, sua cabeça raspada, em seu lábio uma cicatriz no lado esquerdo. Ele vestia um casaco preto, as mãos nos bolsos. Tinha algo de ameaçador nele, mas por alguma razão eu me sentia segura.

- O que aconteceu com você? - Ele perguntou se aproximando e tentando parecer amigável. - Onde estão seus pais? Quem é você?

Não respondi. Permaneci imóvel, encarando o vazio. Sem dizer uma palavra. Talvez aquele silêncio fosse por medo ou talvez eu só não conseguisse falar sobre nada naquele momento.

- Você está segura agora. - Ele continuou sentando-se numa cadeira ao lado da cama. - Ninguém lhe fará mal aqui, então pode confiar em mim.

Eu sabia que não estava segura. Não estaria enquanto vivesse,  e com certeza não estaria se contasse a alguém quem eu era. O homem segurou em minhas mãos como um incentivo para que eu falasse, mas minha mente começou a ser invadida por flashs. As memórias daquele homem começaram a jorrar em minha mente. Lembro-me de ficar tonta e desmaiar logo em seguida. Mas por alguma razão, eu sabia. Sabia quem ele era, o que havia feito em seu passado e o que fazia no presente. Sabia que poderia confiar nele desde que ele não soubesse nada sobre mim. E foi assim que fiz minha escolha. Quando acordei a única coisa que disse foi "Ann, meu nome é Ann".

Deixo um longo suspiro escapar. As coisas parecem estar caminhando em um ritmo sob o qual não tenho controle. Sinto como se estivesse descendo uma ladeira sem freios e a única forma de parar será quando bater.

Finalmente meu novo amigo sai da pousada. Ele parece meio bêbado, meio triste, meio perdido. Não preciso de ajuda para terminar minha missão, mas sinto como se devesse alguma coisa para aquele pobre homem. Talvez seja a culpa de roubar suas memórias, ou talvez seja outra coisa.

Ando até a beira do telhado e salto em direção ao chão caindo em pé como um gato. Ando em direção ao homem lentamente e me aproximo aos poucos. Quando chego perto, sou surpreendida. Ele se vira rapidamente e me empurra contra a parede, seu braço pressionando meu pescoço.

- Te achei suspeita desde o momento em que te vi. - Ele diz com os olhos fervendo em fúria. As palavras meio desencontradas devido ao efeito do álcool. - Quem diabos é você e por que estava me seguindo?

- Calma. - Digo com a respiração fraca devido a pressão em meu pescoço. - Só queria te fazer um convite.

- Já disse que não tenho interesse em menininhas. - Bradou me soltando. - Vá atormentar outro. - Ele continuou andando sem olhar para trás.

- E em vampiros? - Falei num tom que ele pudesse me ouvir. Ele parou. - Você tem interesse?

***

- Você está me dizendo que trabalha para os caçadores? - Richard pergunta com um olhar incrédulo. Estamos sentados num banco em uma praça e o sol da manhã me aquece como um abraço. - As coisas realmente estão muito doidas. No meu tempo não aceitavamos garotinhas.

- Ainda não aceitam. -Digo sem encara-lo. - Sou um tipo de investigadora não oficial.

- Por que raios deixariam uma criança fazer tal trabalho? - Posso sentir a indignação em sua voz.

- Sou boa no que faço. - Digo com um sorriso travesso.

- Se é tão boa por que precisa de minha ajuda?

- Eu não preciso. - Digo séria. - Apenas me pareceu que você estava precisando matar uns sangue sugas para se sentir melhor.

- Estamos numa zona neutra. Por que teriam vampiros aqui?

- Eu não sei. Nos últimos meses, algo mudou no comportamento dos vampiros. - O rosto de Richard se enrigeceu, ele sabia do que eu estava falando. - Inferiores estão aparecendo aos montes e em lugares que parecem ser aleatórios. Os nobres parecem mais determinados em nos fazer acreditar que não estão fazendo nada de mais e que isso se deve ao fato de os humanos serem fracos de mais para passar pela transformação. Mas acreditamos que estão transformando pessoas não voluntárias em segredo.

- É o que parece.

- Viu algo por aí? - Pergunto já sabendo a resposta.

- Há mais ou menos um mês. - Ele fica um tempo em silêncio como se estivesse decidindo se deveria falar ou não. - Eu morava em Morlaix. Era um lugar tranquilo de se viver e os vampiros não costumavam se importar muito com os moradores de lá. Eles apareciam de vez em quando procurando doadores, mas era raro passarem mais de um dia lá. E então aconteceu. De repente, alguns moradores começaram a adoecer. Febres altas e convulsões que não passavam de forma alguma. No início, achamos que era algum tipo de vírus desconhecido, alguma nova doença que estava começando a se alastrar, mas não demorou para percebemos que não era nada disso. No terceiro dia da doença, quase que ao mesmo tempo todos os doentes faleceram. Pelo menos foi o que pensamos. Ficaram estáticos por cinco minutos, sem respiração, sem pulso. E então acordaram. - Ele parou de falar e olhou para o céu. Era quase visível o peso gigante em seus ombros. - Não eram os mesmos. Antes que pudéssemos entender o que estava havendo, eles pularam em seus familiares e os atacaram. Eram inferiores. Qualquer sinal de humanidade havia sumido. Pareciam animais selvagens. Com muitas baixas, nos livramos de todos. Inclusive da minha esposa. - Ele cerrou os punhos. - Nunca vou perdoar os malditos pelo que fizeram com ela, pelo que me fizeram fazer...

Fico em silêncio deixando ele digerir sua própria história. Após algum tempo ele se vira para mim.

- Mas e então? Onde estão os desgraçados?

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⏰ Última atualização: Aug 20, 2023 ⏰

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A maldição Dos Cabelos Prateados - O Segredo De Angelle RoyOnde histórias criam vida. Descubra agora