Cap. 5 | Boca de praga

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- Jesus Cristo! - Gritei, sobressaltada ao ver um projeto de ser humano surgir no meio dos matos e me apontar um facão maior do que ela própria.

Eu estava dirigindo como uma louca, faltou pouco pra não passar por cima. Estava escuro e eu não esperava encontrar ninguém a quilômetros de distância do casarão do retiro.

Meu coração batia erraticamente e minha boca estava seca como um deserto. Apesar de meu raciocínio estivesse concentrado em não morrer de um ataque cardíaco, a mulher me faz lembrar dos filmes de bonecos assassinos. Uma boneca de porcelana raivosa e homicida. Olhos azuis arregalados, bochechas rechonchudas, coradas e suadas, cabelos escuros na altura da cintura, assanhados, com folhas grudadas neles e em todo corpo minúsculo. Não dava um metro e meio de tamanho pra aquela criatura.

- Se tá pensando que vai me ameaçar com isso, pode ter certeza que eu não vou ser a única ferida aqui! Eu tenho um carro e sei muito bem como se passa por cima de alguém! - Gritei em alto, colocando a cabeça para fora da janela.

Oras.

Se eu não morri nas mãos daqueles loucos, não é pelas mãos de um tomboco de gente que eu vou partir dessa pra melhor. Sabe-se lá se ela estava de complô com eles. Talvez a tivessem deixado para trás.

Estranhamente o rosto da mulher suavizou ao ouvir minha voz.

Eu não consegui ter tempo para avaliar minhas opções sobre o que faria em seguida, quando a estranha acelerou os passos até a porta do carona e entrou no carro sem ao menos pedir permissão.

- Eu pensei que fossem eles - A mulher disse largando o objeto pontiagudo no meio das pernas. Ela fixou o olhar em mim, paralisada e incrédula com sua atitude e então gesticulou com as mãos - Vamos, dirija, a gente precisa sair daqui e chamar a poli...

- Eles? Você sabe o que aconteceu no retiro? - Perguntei, a interrompendo. - Eu te conheço por acaso?

- Deveria, já que nós moramos no mesmo teto por três meses - Respondeu - Você não lembra de mim?

- Não.

- Eu peguei seus dados no primeiro dia.

- Você era da administração?

A mulher assentiu com a cabeça.

- Sobrinha de Martha Sabarmati. - Explicou com paciência, suspirou, passando a mão pela testa suada - Eles mataram minha tia quando a encontraram saindo da biblioteca, eu estava escondida no quartinho das tralhas, eu vi tudo, eles foram cruéis, não deram oportunidade pra ninguém ali dentro. Também cheguei a ver quando você pegou o carro deles.

Abri e fechei a boca umas três vezes, atônita, antes de perguntar. Nada do que estava acontecendo fazia sentido algum.

- Alguém sobreviveu?

- Nao que eu tenha visto - Ela parou um segundo e me encarou. - Talvez só nós duas.

Estremeci com aquela possibilidade. Era brutal demais.

- Como você conseguiu sair?

- Corri pelos fundos. Eu acho que tô correndo a umas duas horas sem parar - Ofegou, ainda cansada - Você tem água?

- Não, mas deve ter alguma coisa na mala, ela não parou de balançar o caminho inteiro.

Desliguei o carro e dei a volta, abrindo o porta malas.

Eu deixei de tentar entender o que aqueles caras eram, de onde tinham vindo, o porque de terem feito o que fizeram.

Não fazia sentido algum.

DOCE OBSCURO | Daryl DixonOnde histórias criam vida. Descubra agora