Capitulo um- Começo.

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-Primavera

Era uma tarde chuvosa qualquer em mais um dia como os outros. O garoto de cabelos ruivos estava debruçado sobre a mesa de madeira castigada pelas turmas de outros turnos, havia tantos anos que ela não havia sido limpa que poderia jurar que alguns nomes ali nem estavam entre nós mais.

O mesmo tentava criar coragem e relembrar os poucos motivos para voltar para casa, não que a chuva fosse seu maior problema mas sim com quem iria se encontrar em sua residência. Os olhos azuis acinzentados percorriam a sala em busca de algum mínimo sinal de seus colegas ( não que fizessem diferença já que quase não se davam bem ). Por fim, deu uma trégua ao turbilhão de pensamentos e resolveu se levantar calmamente, agarrando a maleta aonde havia seu material de estudos e saindo com passos lentos pela sala, queria demorar o máximo possível para chegar ao seu destino, e , em meio a caminhada escutou um som...familiar? Um piano estava sendo tocado da forma mais harmoniosa e também dolorosa, sentia que as notas chegavam a ranger em seus ouvidos de tantas lamúrias mas também desabafos em meio a música, sabia qual era e tinha certeza que ''Clair de Lune'' estava ecoando por aqueles corredores vazios.

Ao chegar a sala de música se deparou com a visão de um rapaz aparentemente de sua idade, cabelos castanhos e um sobretudo escuro e misterioso, ''quem era?'', a pergunta rodeava sua mente. Não que aquilo fosse importante e nem como se Chuuya ligasse, apenas queria escutar mais daquele som mesmo que fosse uma das coisas mais tristes e belas que já se havia escutado em sua vida. Depois do tal ocorrido Chuuya nunca mais passou um dia se quer sem pisar naquela porta e escutar escondido cada música que ele jovem dedilhava sobre as teclas do antigo instrumento musical. Dias, semanas e um mês, havia até decorado o horário e também os dias da semana na qual ele tocava mais de um repertorio. Até que um dia, mais um daqueles chuvosos, o ruivo gostaria de ter nunca acontecido.

-Fico feliz que eu tenha uma plateia a tanto tempo, mesmo que seja de apenas uma pessoa.- O garoto de voz suave e calma, diferente de suas músicas carregadas de dor falava enquanto abaixava a tampa do piano, se virando para a porta.- Vamos lá, não vai se apresentar? Tenho uma admiradora, ou, um admirador secreto?

Chuuya rangeu os dentes de forma raivosa, como poderia ser tão insolente? Preferia escutar apenas suas músicas se for deste jeito.

-Eu apenas estava passando por aqui.- Disse ríspido sem muitos rodeios.- Odeio música clássica e odeio ainda mais gentinha igual a você.

-Não é o que parece.- Um sorriso se abriu nos lábios finos do outro.- Sabia que consigo ver seu reflexo da janela.

Naquele exato momento a vontade de Chuuya se dividia em duas coisas: Sair correndo, mudar de cidade e de nome ou socar a cara do outro, nenhuma delas era boa então apenas deu de ombros e murmurou um ''garoto de merda''.

Desde aquele dia Chuuya nunca mais teve coragem de ir até a sala, seu orgulho falava mais alto e sabia disto, não queria dizer que estava amando escutar aquelas músicas todos os dias depois de suas aulas. Mas para sua felicidade - ou infelicidade- o mais alto acabou descobrindo a sala que o ruivo estudava que por sinal era em frente a sua. Demorou alguns dias até que misterioso garoto fizesse com que Chuuya voltasse a escutar e desta vez ao seu lado.

-Então, qual seu nome?.- Perguntava sentado ao piano sem olhar para o menor que fazia questão de ficar o mais longe possível do mesmo.- Me chamo Dazai, Osamu Dazai, prazer.

-Nakahara Chuuya.- Respondeu seco, enfiado com a cara no livro para ter o mínimo de conversa com o outro.- Isso importa tanto assim pra você?

-Claro, somos amigos não somos?.- Podia sentir uma pitada de provocação no tom de voz alheio, porém, preferiu ignorar e rolar os olhos como um protesto silencioso.- Digo, já estamos a uns meses nisso não é? E eu não sei nada sobre você, tirando seu nome e claro seu gosto musical e também..

-Eu já disse que odeio música clássica.- Chuuya se levantava da cadeira de madeira, guardando seu livro e indo em direção a porta.- Apenas gosto de escuta-la, somente isso.

Dazai sabia que aquilo era mentira, quem o menor queria enganar? A música daquele rapaz acalmava sua alma turbulenta e seus pensamentos a milhão, sem contar que por conta das horas extras na escola, quase não via seus familiares e aquilo era ótimo.


-Verão

Passou-se uma estação desde que haviam começado esse ''relacionamento'' esquisito e excêntrico por assim dizer, um fazia companhia ao outro e um silêncio se instalava a cada pausa das teclas, mas não era ruim, era como se a quietude preenchesse as lacunas que estavam ali perdidas. Claro, Dazai as vezes fazia questão de levar o garoto até a esquina de sua casa apenas para ficar mais ao lado dele, Chuuya não queria dar o braço a torcer mas estava gostando daquilo, era um rapaz sozinho e não tinha amigos desde que muitos deles se afastaram após boatos maldosos de pessoas mais velhas que frequentavam a escola, podia-se dizer que arrumou briga com qualquer um existente ali naquele recinto.

Em um cair de tarde de verão ambos decidiram ir a uma sorveteria que ficava afastada do centro da cidadezinha, perto das baias do porto vázio e calmo. Claro, ficar perto um do outro resultava em insultos e apelidos maldosos, mas de vez em quando, a trégua se estendia e conseguiam manter uma conversa sem se chamarem de ''nanico'' ou ''múmia mal arrumada''.

-Você não se importa de andar comigo?.- Chuuya falava olhando para o horizonte tão estendido.-Não se importa de ser taxado como...você sabe....

Os olhos azuis se arregalaram após escutar a risada tão alta e escrachada do mais alto, podia jurar que até eco fez em meio aos contêineres vazios.

-O que foi seu merda?.- Disse em tom mais alto desta vez encarando o outro ao seu lado.-Só não quero depois você reclamando.

-Chuuya, olha pra mim.- Dazai colocava a mão sobre o ombro direito do rapaz.- Você acha mesmo que eu me importo com que as outras pessoas pensam? Se elas preferem ter uma visão com base em pequenos boatos que podem ou não ser mentira eu quero é que se exploda.

Pela primeira vez na vida ele se sentiu...seguro? Não não, jamais, não com aquele merda. Odiava ser orgulhoso e dar o braço a torcer até para seu próprio subconsciente. O vento gélido começava a se fazer mais presente naquele entardecer na cidade de Yokohama, já era o sinal de que a vida noturna iria começar e que estava atrasado para ir pra casa. E assim que se levantou e começou a andar, percebeu que o mesmo o seguia...é, talvez não fosse tão ruim se sentir seguro ao lado dele.Dazai já estava quase a chegar em sua residência, morava no subúrbio de Yokohama juntamente de Oda, um homem que o mesmo considerava um pai.

-Anda chegando tarde.-Oda comentava atrás do balcão do bar em que era dono.-Estava com quem?

-Um amigo.-Dazai dizia subindo as escadas que ficavam nos fundos do bar, indo para o apartamento que ficava em cima do estabelecimento-Um amigo...

-Meu filho, cuidado. O garoto parece ser riquinho.

-Relaxa.-Dazai falava com seu típico tom de voz calmo.-Ele não é como os outros.

-Pode não ser, mas vai saber da família dele.-Oda comentava preocupado.-Eu só me importo muito com você.-Eu sei...

Do you remember me? ( soukoku )Onde histórias criam vida. Descubra agora