Achamos o coração!

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Voltamos para o grande salão e fingimos nos enturmar. Se íamos cometer um assassinato, não podiamos levantar muitas suspeitas. Depois de conversar com alguns velinhos simpáticos e senhoras ricas, Deam me deu o tão esperado sinal. Eram onze da noite, todos já estavam meio bêbados, senhor Dennier e Deam foram para o escritório e ficaram conversando por quase meia hora, quando Deam abriu e fechou a porta duas vezes, sinalizando minha entrada.

Fui até o escritório e fechei a porta atrás de mim. Caminhei ao encontro de Deam alguns passos antes de ouvir alguém bater a porta. Bufei e a abri. Uma senhora baixinha de vestido vermelho me encarou, com seus olhos castanhos e grandes.

-Algum problema? - perguntei para a velhinha, que esticou o pescoço para dentro da sala.

-Eu é que lhe pergunto? Algum problema aqui?

Senhor Dennier - que estava bêbado e caído em algum canto da sala - gemeu alguma coisa, e Deam pigarreou me olhando. A senhora tentou olhar ainda mais dentro da sala.

-An, não. É que..meu marido, ele está passando mal. Pode nos deixar a sós por gentileza?

-Foi algo que ele comeu? Sou a senhora DiCarmo, posso ajudar em alguma coisa.

-Não, ele só precisa descansar um pouco, senhora Dicarmo. - tentei fechar a porta, mas a mulher entrou ainda mais no caminho, bloqueando a porta. Deu alguns passos pra frente e me empurrou para o lado. Quando conseguiu entrar na sala, acendeu a luz, e lá estava, Senhor Dennier semi-desmaiado no chão, provavelmente por alguma mistura que Deam colocou em sua bebida. E Deam maravilhosamente nervoso ao lado do homem jogado ao chão.

A senhora DiCarmo arregalou os olhos e cobriu as mãos com a boca. Cambaleou na direção do senhor Dennier e se agachou ao seu lado. Deam me olhou e se agachou ao lado da mulher.

-Senhora...é...Dá uma ajudinha aqui Meri?

-Fiquem longe de mim seus nojentos! O que fizeram com ele?

-An...-Deam me olhou e tentou pensar em alguma coisa. Sem sucesso. Ao tentar convencer a velha a sair da sala, dizendo que cuidaríamos do Sr. Dennier, ela acabou vendo a barra que prendia a faca ao meu tornozelo.

-Quem são vocês? São assaltantes? Oh Deus! Vocês fizeram isso ao Sr. Dennier! Se afastem, ou eu grito!

-Opa, melhor não brincar com a gente senhora DiCarmo - Deam tentou -tentou- passar algum medo para a velha.

-Melhor vocês não brincarem comigo! Eu vou chamar a polícia! Quem vocês pensam que são? Eu sou a senhora DiCarmo!

-E eu sou América Denser, velha idiota! - Dito isso, dei uma coronhada na velinha, que caiu ao lado do senhor Dennier.

-Uh, fiquei com medo.

-Calado Deam, problema aqui. O que vamos fazer?

-Acho que essa aí não levanta tão cedo. Abre a porta, vamos levar os dois ali pra dentro. - Deam apontou a salinha que ficava no escritório, abri a porta e acendi a luz.

Enquanto ouvia Deam puxar a perna do senhor Dennier, peguei os braços da senhora DiCarmo e a puxei para dentro da salinha. Deam veio atrás com o outro corpo e o colocou em um canto.

-Então - ele perguntou bufando - tá pronta?

-Não. Vamos fazer isso logo.

Me agachei e olhei para a faixa na minha perna. Faca ou arma?

-Faca. A arma vai fazer barulho demais. - Dava pra ouvir a tensão na voz de Deam.

Peguei a faca e encarei a lâmina.

-O que que é isso? Deam o que eu estou fazendo? Olha só pra mim, estou prestes a matar por dinheiro. - Deam sentou do meu lado, olhando também para a lâmina da faca. Passou as mãos pelos cabelos e me encarou por uns segundos, pensando no que dizer. Mas não tem o que dizer. - Eu virei um monstro?

-Não, Meri. Você não é um monstro.

-Sou sim Deam - senti as lágrimas se formarem em meu rosto e me obriguei a continuar falando. Que ótimo, sou uma ladra-quase-assassina e não consigo deixar de ser chorona! - Eu realmente pensei na ideia de matar por dinheiro!

Larguei a faca no chão e limpei meu olho, tentando não borrar a maquiagem. Abracei meus joelhos enquanto Deam se levantava e andava pela salinha. Ele parou ao lado da maquete e descansou as mãos nas cinturas. Ali, parado e preocupado, Deam ficava lindo. Era impossível não se encantar com sua postura, sua respiração, seu olhar atento.

Atento até demais. Deam inclinou a cabeça na minha direção, e depois olhou novamente para a maquete.

-Meri - ele esticou a coluna e se pendurou na mesinha, olhando para uma etiqueta preta colada embaixo de uma mini-árvore. - O que a gente precisava pegar mesmo?

-Um coração. O que foi?

-Olha isso aqui. - Ele apontou para a etiqueta. Me levantei e me debrucei na mesa, lendo as letras na etiqueta.

"Maquete representativa do bairro Louire's. Coração de Dennier."

Forcei meus olhos a não derramarem lágrimas, mas foi em vão. Caí ao lado de Deam, segurando suas pernas, tentando manter o equilíbrio. Isso não pode ser sério. Isso não pode ser nem um pouco sério. Ótimo, eu sou um monstro.

-Uma maquete Deam? Tudo o que eu precisava era de uma droga de uma maquete?

-Meri, e-eu não sei o que dizer.

-Se você não sabe, imagina eu? -Levantei a cabeça o suficiente para ver o rosto de Deam. Senti as lágrimas rolarem e meu nariz ficou úmido. Limpei o rosto com as mãos e tentei controlar a vontade enorme de gritar que crescia em mim. - Droga. Droga, droga, droga! Deam eu ia matar um homem!

-Meri você não matou ninguém - ele se abaixou e me abraçou, sua respiração pesada contra meu ouvido. - Você não matou ninguém. Ta tudo bem.

-Não tá não. Eu virei um monstro Deam? Eu virei um monstro!

Recaptulando: quase matei um homem, confere. Ia tirar uma vida por dinheiro, confere. Fui extremamente egoísta, confere. Sou perigosa pra sociedade com meu ego gigante? Talvez sim, talvez claro!

Se eu quase matei um inocente por dinheiro, o que mais eu era capaz de fazer?

-Talvez você devesse ficar longe de mim Deam.

-O que? América, não. - ele me soltou e ficou a minha frente, a testa enrrugada de preocupação. - Perdeu a cabeça?

-Talvez sim Deam. Olhe só pra isso, cara! Você deve ficar longe de mim, Deam. Você poderia se encrencar por egoísmo meu.

-Isso nunca vai acontecer América.

-Mas, e se eu tiver mesmo me transformando em um monstro? Eu ia matar esse cara, e nem sequer pensei duas vezes!

-Não importa. Nunca vou sair de perto de você, nunca deixarei de te amar. Não vou deixar que se trasforme em um monstro. Estarei sempre com você. Sou seu melhor amigo, desde sei lá, sempre!

-Diga de novo.

-Que estarei sempre com você?

-Que me ama. E diga de novo, e de novo, e de novo. Me diga todos os dias até eu achar que estou cansada de ouvir. E quando isso acontecer, diga de novo. Só pra eu lembrar que nunca, nunca vou me cansar de ouvir.

-Espero que esteja preparada, nunca me canso de dizer que te amo. Você é minha proteção, e eu serei sempre a sua. Vamos dar um jeito nisso aqui.

Deam me deu um beijo na testa e se levantou, carregando a senhora DiCarmo para fora da salinha.

A CaçadoraOnde histórias criam vida. Descubra agora