Breve História 1 | O Jogo

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Eu sabia que ia acontecer... Eu tinha tanta certeza, que ao observar Marcel em minha frente, segurando uma arma nas mãos, minha mente permanecia calma e sã.

- Marcel...

- Pare! Pare de falar, merda!  - Sua voz soou descontrolada.

Marcel deu um passo em minha direção e apontou a arma para minha cabeça. Respirei fundo. Seus olhos estavam vermelhos. Ele não conseguia parar de chorar. Ele sabia que o que fazia ia além do que era capaz, mas simplesmente não aceitava...

O suor escorria por seu rosto e os olhos piscavam desesperados. As vezes parecia estar travando uma batalha consigo mesmo, pois balançava a cabeça e resmungava coisas incompreensíveis.

- Você não entende... Não entende...  – se agachou em minha frente e passou uma mão por meu rosto sujo – Eu amo você... amo tanto que...  – se levantou rapidamente, com a respiração acelerada – Estou fazendo isso por nós dois!

Minhas mãos, amarradas nas costas, latejavam de dor. Meu cabelo grudava no rosto como se fizesse parte dele. Fechei os olhos, tentando compreender... Não havia mais saída.

Eu gostaria de entender como chegamos àquele ponto. Como uma brincadeira pôde nos levar àquele fatídico ponto?

“Vamos morrer juntos...” Marcel disse um dia, observando o corpo inerte a nossa frente. Eu ri. “Não ria! Estou falando sério...” Tirou seus olhos do cadáver ensanguentado e me fitou longamente com seus olhos verdes e frios “Se alguém descobrir o que fazemos, eu te mato e me mato em seguida”.

“E quem iria fazer questão de descobrir o que fazemos? É um jogo de gato e rato, Marcel... Nós matamos e ganhamos... Agora temos que encontrar o próximo antes que ele nos encontre. Venha, me ajude com esse idiota...” me abaixei e  tentei empurrar o corpo morro abaixo. Após finalizar a tarefa, Marcel agarrou meus cabelos e me beijou com força, machucando meus lábios. Naquele momento, um calafrio percorreu minha espinha.

Fomos descobertos. Não só descobertos, mas procurados. Se não morrêssemos aqui, morreríamos depois, mas eu, particularmente, preferia fugir. Um ato covarde, mas coragem nunca foi meu forte.

- Porra! - ele me deu as costas e parou, olhando para as paredes de madeiras úmidas do cômodo.

- Onde estamos? – perguntei num murmuro, tentando reconhecer o ambiente

- Não interessa...

- Marcel, podemos fugir... Podemos ir para outro país...

- O que?! – seu rosto se transfigurou em ódio quando se virou para me olhar. Ao vir para cima de mim, parecia um leão pronto para atacar.

Um soco atingiu em cheio minha têmpora. Fiz uma careta, completamente tonta e meus olhos ficaram anuviados por causa da dor.

- Sua maldita covarde! Sua filha da puta, desgraçada!

Encostou o bico do revolver no meio da minha testa e segurou meu rosto pelo queixo.

- Morreremos juntos! – senti sua saliva salpicar meu rosto e segundos depois, seus lábios procuravam os meus em desespero, em desejo...

Eu correspondia àquele beijo selvagem, querendo me agarrar a Marcel, como se toda aquela situação não passasse de um jogo de sedução e no fundo, bem no fundo, eu queria matá-lo.

Parecia doentio, e era. O que tínhamos e o que fazíamos era tudo o que não podia ser certo.  Sem dúvida um caso de loucura que nem mesmo eu conseguia explicar.

Ao tirar seus lábios dos meus, Marcel não se afastou. Minha cabeça latejava como se fosse explodir. Nossos olhos estavam tão perto, que mesmo na penumbra eu podia ver aquele brilho psicótico nos olhos dele.

- Apesar do fim, tudo o que fizemos valeu a pena... e ninguém, ninguém além de nós irá nos libertar disso...

Ele sorriu.

- Qual é a melhor forma de morrer, Marcel? – perguntei sem conseguir me mover.

Ele se levantou e me agarrou pelos cabelos, me levantando junto com ele. Me segurou pela cintura, grudando meu corpo ao dele e junto ao meu ouvido disse:

- Morrer lentamente...

O tiro ecoou pelo cômodo antes de eu poder sentir a bala perfurar meu estômago. Abri a boca sem conseguir dizer uma palavra... Aquele momento realmente tinha chegado.  Meus olhos congelaram nos olhos de Marcel, que me segurava e me observava enquanto a dor começava a corroer meu corpo inteiro. Meus sentidos ficaram lentos. O mundo rodou. Depois da dor dilacerante, era como estar drogada. A dor ficava em segundo plano...

Antes de disparar o segundo tiro, Marcel voltou a beijar meus lábios, sorrindo em vitória. Ele tinha tudo planejado... Tudo perfeitamente esquematizado.

Entorpecida, consegui sorrir.

Não iria se matar... Ele, com aquele teatrinho barato, havia conseguido...

- Eu ganhei o jogo – disse lentamente e me soltou.

Meu corpo mal teve tempo de cambalear e foi invadido por outra bala. Direto no coração.

Caí sobre a madeira e fiquei agonizando, olhando para o teto, sem me mover, sem pensar... Morrer... Inevitavelmente a morte veio para mim...

 Ao fundo, uma porta se abriu e se fechou...

Lentamente tudo escureceu...

____________ FIM

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