Breve História 2 | Destino

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Eu acredito em destino.  Talvez eu seja apenas otimista demais em achar que ele pode me trazer algo inesperado algum dia. Talvez eu seja apenas um sonhador. Um sonhador apaixonado sem remédio. Um metódico, um apaixonado incurável, esperando... Esperando o destino me levar a alguém... Alguém esperando o destino me levar a ela.

Chovia. Algo normal naquela época do ano.

Me arrumei. Olhei pela janela. Chovia mais do que qualquer um esperava para aquela época do ano. Vi o vidro da janela embaçado. Vi os pingos escorrerem, dando lugar a outros. Ouvi o som da rua.

Tudo era mais barulhento em dias chuvosos. Culpa das pessoas em seu próprio caos ou da chuva que o trazia.

Olhei para o relógio.

Estava na hora de partir. Partir.

A maleta me esperava encostada a porta.

O terno me esperava no cabide.

O guarda-chuva esperava para ser usado. Usado por qualquer um, contanto que chovesse. Esperava pela chuva.

Abri a porta. Fechei. Tranquei.

Desci as escadas íngremes do prédio e abri a porta de entrada. A chuva estava mais forte do que eu pensava.

Abri o guarda-chuva e me enfie na brecha da calçada.

A estação de trem, como toda manhã, estava cheia. Pessoas. Barulho. Pessoas. Carrinhos. Falas. Pessoas.

Atravessei o saguão, olhando ao redor. O guarda-chuva pingava. Os guarda-chuvas pingavam.

O local de embarque era sem cobertura. Abri o guarda chuva novamente e aguardei.

A chuva molhava os trilhos, o piso de concreto, os telhados.

A chuva escorria. Molhava os guarda-chuvas. Os ombros. A maleta.

Suspirei. Olhei para os lados. Pessoas.

Então a vi. Cabelos loiros grudados ao rosto. Vestido florido ensopado. Olhos com a cor do céu nublado. Não se mexia. Distante. Séria. Irritada. Esperava por algo. Talvez por alguém. Tremia. Se abraçava. A chuva estava sendo seu azar. Sorri. Estava molhada como os guarda-chuvas.

Ninguém olhava. Ou talvez todos olhassem e eu não prestasse atenção. Eu olhava. Olhava fixamente. Chuva, vestido, cabelo. Tudo se misturava.

Um passo. Dois passos.  Aos poucos cheguei nela. Meu guarda-chuva cobriu seu corpo num movimento automático. Assim, como todos os guarda-chuvas fazem.

Nos olhamos. Nós dois. Ela surpresa, eu tímido. Nos olhamos.

Ela voltou a olhar para frente. Séria. Confusa. Ainda esperando...

Pousei a maleta no chão. Pingos a ensoparam rapidamente e escorreram.

Tirei o terno num movimento desajeitado. Voltei a olhar para ela, que se mantinha calada.

Seus olhos, como a chuva, estavam úmidos. Úmidos de choro. Vermelho de lagrimas.

Sem palavras posei meu casaco em seus ombros. Sua pele estava gelada.

Ela me fitou. Comprimiu os lábios. Olhou para minha maleta molhada. Olhou para meu terno em seus ombros. Olhou para mim. Para mim.

Ao longe ouvi um apito. Pessoas se movimentaram. Pessoas se chocaram. Pessoas se olharam e voltaram a se movimentar. Mais um apito.

O trem parou. Abriu suas portas despejando e recepcionando. Pessoas falavam. Fechavam seus guarda-chuvas. Abriam seus guarda-chuvas. Entravam no trem correndo. Saiam do trem as pressas.

Ela suspirou, ainda com os olhos sobre mim. Pousou sua mão tremula em meu rosto. Estava gelada. Macia e gelada.

Tentou sorrir. Não conseguiu. Mordeu os lábios.

Um passo. Dois passos. Três passos.

Se afastou. Se afastou rápido. As portas abertas do trem a recepcionaram e se fecharam. Esperavam por ela.

De longe a observei me observar da porta do trem. Um apito.

A chuva caia. Molhava minha maleta. Molhava minha camisa. Molhava o trem. O trem onde ela estava.

Segundo apito.

Sem palavras. Sem me mover.

O trem começou a se movimentar. Se afastou lentamente.

Meus olhos ainda a perseguiram e os olhos dela perseguiram os meus.

Foi breve, apesar de lento.

Foi intenso, apesar de breve.

O trem desapareceu. Olhei para os lados.

Pessoas. Barulho. Chuva. Pessoas. Ela não estava mais lá.

Eu acredito em destino.  Talvez eu seja apenas otimista demais em achar que ele pode voltar a me trazer ela algum dia. Talvez eu seja apenas um sonhador. Um sonhador apaixonado sem remédio. Um metódico apaixonado incurável, esperando... Esperando o destino me levar a ela...  Ela esperando o destino me encontrar.

_______________ FIM

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