— Você parece acabada.
Ayla estava parada na frente da nossa sala com a mochila ainda nas costas e segurando um notebook debaixo do braço.
— É porque eu estou acabada.
Meus olhos tinham algumas bolsas escuras embaixo deles e eu estava sem maquiagem, o que indicava que algumas manchas de espinhas e minhas poucas sardas estavam à mostra.
— Noite ruim?
— Se eu tiver conseguido dormir por duas horas, foi muito.
— Não sabia que tinha sardas. — Ela disse enquanto colocava o aparelho em cima da mesa. — São fofas.
— Eu uso tanta maquiagem que nem me lembrava que tinha sardas.
— Nem sabia que era tudo maquiagem.
— Alguns anos de prática me levaram à perfeição de uma maquiagem bem natural.
— Percebi. Mas gostei das sardas, você é uma caixinha de surpresas, hein, ruivinha. Tem mais alguma coisa que eu não saiba?
Sorri fracamente.
— Vamos esperar para ver se você não descobre.
Percebi que Laís ainda não havia aparecido, talvez não aparecesse até depois das férias.
Descobri através de alguns boatos, vindos dos amigos de Pedro, de que ela foi até a casa dele para terminar enquanto o garoto ainda estava se recuperando dos pontos recebidos.
Ayla estava me encarando a um tempo e tirei o fone de ouvido.
— O que foi?
— Você está realmente bem para poder apresentar o trabalho?
Assenti ainda cabisbaixa.
— Só estou com sono, ignore.
Ayla tira uma garrafa da mochila e levanta em minha direção.
— O que é isso?
— Café.
Peguei a garrafa dando alguns goles grandes.
— Obrigada.
Ela dá de ombros ligando o computador enquanto Rodrigo entra na sala.
— Bom dia turma. Vamos começar com as apresentações.
Após três apresentações, o professor chamou nossos nomes e eu conectei o computador no projetor para poder passar os slides enquanto Ayla apresentava.
A dicção dela era melhor, e seu conhecimento pelo assunto era maior, então entramos em um consenso onde ela iria apresentar e eu iria escrever e revisar a maior parte do trabalho escrito.
Fomos a última dupla a apresentar o trabalho quando o sinal indicou o horário do intervalo.
— Estelle, espere um momento, gostaria de conversar com você.
Ayla parou no pé da porta, e passou o olho por nós dois, mas logo saiu dando de ombros.
— O que foi? Algo errado com a apresentação? Ou com a parte escrita?
— Nada de errado, fique calma. — Ele disse rindo baixo — Você se preocupa demais com as coisas.
Suspirei aliviada por saber que pelo menos consegui garantir minha nota azul antes das férias.
— Então qual o problema? Tem alguma coisa faltando? Esqueci de entregar algo do caderno?
Rodrigo deu uma risada nervosa e indicou para que eu puxasse uma cadeira e me sentasse à sua frente.
— Calma, eu só queria perguntar se você está bem.
Olho confusa para o professor.
— Por quê? Eu fico tão esquisita sem maquiagem?
— Nada disso. É que você parece meio tensa ultimamente, mais do que me acostumei a ver nos últimos anos nos quais lhe dei aula. Tem algo te perturbando?
Apoio os cotovelos na mesa enquanto balanço uma das pernas freneticamente.
Amo Rodrigo do fundo do coração. Arrisco a dizer que considero ele meu pai, já que cuidou de mim melhor do que aquele que tenho.
— Tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Acho que não estou conseguindo lidar com tudo muito bem.
Respirei fundo e contei mentalmente até três antes de prosseguir:
— Eu acho que estou gostando de alguém. Só que, de verdade. E isso me assusta um pouco.
Ele assentiu compreendendo a minha situação.
— E, não pode me dizer quem é?
Abri a boca algumas vezes querendo contar, cheguei a sentir o sabor do nome dela em minha língua, porém falhei em dizer três vezes.
— Imagino quem seja. Não consigo ver o problema aqui, mas já que você vê, irei te dar um conselho como seu professor, amigo e pai.
Meus olhos marejaram um pouco quando ele disse a última palavra.
— Sempre te vi como minha filha Elle, quero que saiba, se precisar de alguma ajuda, estarei aqui para fazer o meu melhor. Ignore o que os outros têm a dizer e viva a vida do jeito que você quer viver. Você não está errada de ser quem é. E estou aqui para te apoiar, sempre.
— Obrigada, Rodrigo.
Ele sorriu para mim, depois se levantou da cadeira e deu pequenos tapinhas em minhas costas.
— Agora some daqui, senão vai perder o intervalo.
Saí da sala rapidamente enquanto enxugava algumas lágrimas e desci as escadas encontrando Kaio e Ayla encostados na parede costumeira onde ficávamos.
— Que demora.
— Achei que tinha se perdido. Até tinha te comprado um salgado, mas demorou tanto que acabei comendo.
Mostrei o dedo do meio para os dois e Kaio riu antes de me oferecer o refrigerante que estava em sua mão.
— Não sabia que tinha sardas. — Falou Kaio.
Suspirei pesadamente.
— Eu também não sabia até hoje de manhã quando resolvi não rebocar minha cara de base. — Falei devolvendo seu refrigerante. — Essa é nossa última semana de aula, o que vocês pretendem fazer até o fim de julho?
— Eu vou treinar pro campeonato de futebol que vai ter em outubro, além de que pretendo jogar League of Legends até meu computador explodir.
— Eu vou ficar com minha mãe, beber com Miguel, e é isso, acabou meu repertório de diversão de férias. Por quê?
Dei de ombros.
— Quero sair. Não pretendo mofar no meu quarto, sobrevivendo a base de salgadinho e barras de chocolate, até a volta às aulas.
— A gente pode marcar algo. — Sugeriu Kaio — Shopping, parque, bar, tem tanta coisa. Podemos também jogar vôlei na quadra que tem no meu prédio, lá é praticamente vazio.
Me sentei no chão encostando na parede.
— Minha vida seria mais feliz se tivesse um lugar decente para sentar no intervalo.
Ayla sentou do meu lado enquanto mordiscava um palito. Kaio permaneceu em pé durante um tempo encarando o chão e depois se sentou apoiando a cabeça no meu ombro.
— Não confio nesse chão, toda hora tem pombo nessa escola imunda.
— Os pombos andam até dentro dos pratos de comida e mesmo assim a gente come e nunca aconteceu nada. — Disse Ayla jogando o palito longe — Acho que não vamos pegar doença só por sentarmos onde eles andaram.
Kaio levantou fazendo uma careta de vômito enquanto eu rio.
— Nunca mais como a comida desse lixão.
O sinal tocou novamente e eu subi com Ayla para nossa sala e Kaio seguiu pelo corredor para a dele.
Assim que nos sentamos ela tirou novamente sua garrafa de café me oferecendo mais um pouco.
— Não, obrigado.
— O que o professor queria com você?
— Conversar. Ele me achou com cara de morta sem maquiagem aí veio perguntar se eu estava bem.Quando foi que aprendi a mentir tão bem?
— Entendi.
A morena abre outro pirulito me oferecendo um e recuso enquanto abro um pacote de chiclete.
— O que aconteceu com a sua amiga? Afinal, eu arrebentei o namorado dela. — Ela perguntou de repente sussurrando a última parte.
— Não sei. Ela não tem respondido minhas mensagens. Mas acho que não vamos ver ela tão cedo.
Ayla assentiu voltando a prestar atenção na aula que já havia começado e decidi fazer o mesmo.
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Estelle
Romance[PODE CONTER GATILHOS, LEIAM AS TAGS] Estelle sempre quis perfeita. Ela almeja a perfeição. Mas o que seria perfeição para ela? Notas altas? Uma vaga na faculdade dos seus sonhos? Falar várias línguas? Um corpo magro e com curvas? Ou será que é tudo...