Capítulo 9

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No dia seguinte eu estava conversando com Laís e seu namorado quando Ayla chegou sorrindo e passou o braço ao redor dos meus ombros.
— Ele já chegou? Mal posso esperar para ganhar nossa aposta.
— Quem disse que você vai ganhar?
— Eu disse.
Ela mostrou a língua para mim como se fosse uma criança birrenta e lhe direcionei um cutucão na costela.
— De que aposta vocês estão falando?
Suspirei e virei para Laís ainda vendo o sorriso brilhante de Ayla através da visão periférica.
— Apostamos algo em relação ao Kaio. Tem vinte reais em jogo aqui.
Pedro arqueou as sobrancelhas maliciosamente e eu segurei a vontade de lhe dar o dedo do meio, aparentemente Ayla não segurou a vontade o suficiente já que dois segundos depois levantou seu dedo.
Dei um tapa no ombro da garota e apontei para o portão vendo Kaio entrar radiante com a mochila nas costas. O garoto cumprimentou Laís e Pedro e quando se virou para mim suspirei o ar pesadamente.
— A base tá marcando. — sussurrei.
Ele ficou meio corado mas seu sorriso não sumiu. Peguei minha carteira e tirei uma nota de vinte para entregar a Ayla. A garota beijou a nota e correu subindo os degraus de dois em dois.
— Não vai me explicar que aposta você fez com a esquisitona?
Me viro para Laís e encaro profundamente os olhos da morena.
— Não. Para de chamar ela de esquisita, a Ayla é mais normal do que você.
Saio em direção a minha sala, enquanto andava meus pés batiam com força no chão e eu podia sentir meus dedos estalando. Paro no começo do corredor quando sinto uma presença atrás de mim e vejo Kaio andando rápido para me alcançar.
— Você e a Laís não estão se dando muito bem ultimamente, não é?
Encaro o moreno e decido focar em seus cachos, atualmente nada definidos, não queria encarar seus olhos.
— Eu e ela não estamos nos dando muito bem desde que ela começou a namorar aquele babaca. Eu amo demais a Laís, somos amigas há quase dez anos, mas se as coisas continuarem do jeito que estão, eu não vou conseguir andar com alguém que nem ela.
Kaio passou o braço ao redor do meu pescoço e beijou o topo da minha cabeça.
— Se você acha que está na hora de encerrar um ciclo, então faça. Não fique se remoendo forçando uma história com alguém que não quer sua companhia.
— Valeu. Isso realmente me fez bem.
— Você está achando que meus conselhos são de graça?
Dou risada e belisco sua costela fazendo com que o garoto tire o braço de mim.
— Desgraçado. O que você quer de mim? Dinheiro? Comida? Minha alma?
Kaio remexe em sua mochila retirando de dentro três ingressos para um jogo.
— Terei uma partida de futebol amanhã. Quero que você, Ayla e Miguel, me assistam.
— Só isso? Pensei que era algo mais difícil, tipo esconder um cadáver.
— Com o tipo de coisa que você lê, acho que isso é o mais fácil.
Dou um pulo me assustando com o barulho do sinal e Kaio solta uma risada alta.
— Vou entregar o ingresso para Ayla e na hora que o Miguel vier me dar carona na saída eu dou o dele.
Kaio depositou outro beijo em minha cabeça.
— Você é um anjo!
— Na verdade eu sou uma estrela, mas dessa vez aceito.
Ele riu e depois sumiu pelo corredor indo até sua sala.
Quando entrei na minha sala vi que o menino que senta atrás de Ayla havia faltado e decidi que ficaria ali mesmo, não estava muito afim de lidar com Laís hoje.
— Algum motivo em específico para querer ficar aqui? — Perguntou Ayla virando para trás e jogando uma bala em minha mesa.
— Nenhum. — Peguei a bala e joguei o ingresso encima da mesa. — Kaio chamou a gente e Miguel para ir ver ele jogar.
— Miguel vai estar de folga amanhã, é bom que eu não vou precisar lidar com ele.
Na hora do intervalo vi Ayla sentada em uma das estruturas de pedra que havia ali no pátio e me sentei do lado dela.
— Existe algum motivo em específico para você estar aqui comigo e não com aquela sua amiga modelo?
— Briguei com ela.
Ela olhou pra mim enquanto abria um pirulito e me ofereceu outro que aceitei.
— Aconteceu alguma coisa?
— Nada que seja da sua conta.
A morena levantou as mãos em rendição e começou a olhar as pessoas que passavam por ali.
— Você faz isso todo o dia?
Ela volta a me encarar e sorri enquanto mordisca o palito.
— Sim. Preciso manter o apelido que você me deu.
Sorri para a garota e levantei da pedra ao ouvir o barulho do sinal indicando o fim do intervalo.
— Procurei vocês durante o intervalo. Vocês desapareceram.
— Perdão, acho que sequestrei sua namorada hoje, Kaio.
Ayla saiu no meio da multidão e Kaio veio passando o braço ao redor da minha cintura.
— Você gosta muito dela.
— É minha amiga, então obviamente…
— Você sabe que não estou falando neste sentido.
Olho para ele e sorrio meio cabisbaixa.
— Não posso gostar dela assim.
— O que você não pode, é sentir vergonha de si mesma só porque alguém disse que aquilo que está fazendo é errado.
— Mas eu preciso ser perfeita Kaio. Senão ele nunca vai ter orgulho de mim. 
Kaio para de andar e mexe o corpo ficando de frente para mim, logo depois ele me dá um peteleco no meio da testa e eu massageio o local ele acertou.
— Sabe do que você precisa? Parar de viver a vida que os outros querem que você viva e começar a viver do jeito que você quer. Otária.
— Para de me bater. Vou considerar homofobia.
— Vai se foder!
Eu rio e lhe dou o dedo do meio fazendo com que ele me mostrasse a língua e seguisse o corredor até sua sala.
Me sentei atrás de Ayla novamente e retirei o caderno de química ao ver Rodrigo entrar na sala. Cutuquei a garota na minha frente e ela se virou para mim ajeitando uma mecha de seu cabelo.
— O Miguel vai com a gente no jogo do Kaio?
— Sim. Ele disse que quando vier nos buscar amanhã, vamos passar no mercado e ir direto pro local do jogo.
— Okay.
Vi Rodrigo vindo em direção a minha mesa e abri o caderno na última lição que ele passou. Ele corrigiu os exercícios e passou para a mesa de Ayla.
— Fizeram juntas?
— A gente tinha um tempo sobrando depois de revisar o seu trabalho, então fizemos a lição.
Rodrigo assentiu satisfeito.
— Como anda o trabalho de vocês?
— Estamos terminando os slides agora. — respondeu Ayla — Faltam duas semanas para a entrega então dá tempo.
— Vocês não parecem ter tido nenhuma dificuldade. Isso é bom.
— Ayla é um gênio da química. Não tem como ter dificuldade com ela.
A morena deu de ombros voltando a sua atenção para a tela do celular. Rodrigo olhou para mim sorrindo e voltou a vistar os cadernos.

...

— Meu Deus, Miguel, para de encher esse carrinho, eu sou pobre.
— Pra quê tudo isso Miguel? Que exagero.
Eu e Ayla estávamos nessa discussão com Miguel porque ele havia enchido o carrinho com mais de 100 reais em doce.
— Eu pago. Pode deixar que hoje eu serei o sugar daddy de vocês, minhas caras amiguinhas.
— A glicose subindo, que maravilha. É com esse sangue que você pretende ser biomédico?
— Sim.
— Vocês dois pretendem fazer biomedicina?
— Infelizmente — Responderam em unissom.
Depois de pagarmos (Miguel pagar) a conta, seguimos em direção ao local do jogo. Kaio iria jogar contra um time profissional lá em Itaquera, seria o primeiro jogo dele como jogador profissional e eu estava completamente orgulhosa dele.
Ele havia colocado nossos assentos em um local bom de enxergar o campo. Quando chegamos, vimos ele se alongando com seus colegas de equipe e acenou assim que nos viu.
— Aquele cara ali é o pai daquele garoto filho da puta? — Perguntou Ayla de repente.
— Ele mesmo. O nome dele é Augusto, é o pai do Pedro. Ele é tão cuzão quanto o filho.
— Por que o Kaio não sai desse time? Sabe, procura algum treinador decente.
— Por conta do contrato. Apesar de ser uma pessoa ruim, o time do treinador Augusto é muito prestigiado, e ele simplesmente ofereceu um contrato com muitos benefícios para o Kaio se ingressar no profissional. Só que é um contrato de um ano, ele assinou esse contrato há quase sete meses, então falta pouco.
Os jogadores se posicionaram em seus lugares e o juiz apitou sinalizando o início da partida.
Apesar de ter poucas pessoas por ser um jogo juvenil, o estádio vibrava com cada gol. O time do Kaio venceu de 2 a 1 do time adversário e Ayla precisou me segurar várias vezes para que eu não pulasse da arquibancada.
Kaio tirou sua camiseta e jogou na direção de Miguel que prontamente a pegou com um brilho nos olhos.
— Eu nunca vou lavar essa camisa.
A gente saiu do pequeno estádio conversando indo em direção ao carro.
— Kaio me mandou uma mensagem dizendo que vai nos encontrar na casa do Miguel pra gente comemorar a primeira vitória dele.
— Vamos indo então, vou comprar umas bebidas.
Ayla abriu a porta do carro para mim e se sentou do meu lado atrás.
— A minha contribuição nessa história será acender o narguilé para que eu possa fumar.
Quando chegamos ajudei Ayla a acender o narguilé e Miguel pediu algumas pizzas para que pudéssemos comer. O porteiro do prédio ligou avisando que Kaio havia chegado e ele desceu correndo para se encontrar com o garoto.
Eu assistia a morena puxar e soltar a fumaça enquanto bebia uma latinha de cerveja. Poucos segundos depois de ouvir a maçaneta girar eu larguei o copo na mesa e Ayla fez a mesma coisa.
— Kaio, o que aconteceu?
O garoto tinha hematomas em um dos olhos, pescoço e braços, sua boca estava cortada e ele passou a língua nos lábios onde ainda escorria um filete de sangue.
— Foi mal, Elle. Acho que estraguei o rosto que você adora.

EstelleOnde histórias criam vida. Descubra agora