Chapter-2

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Era manhã.
Quase não consegui dormir — a ansiedade tomava conta de mim, como uma maré agitada. Assim que o primeiro raio de luz invadiu o quarto, não esperei. Nem café tomei. Vesti-me às pressas e corri para o jardim.

Com a chave que havia encontrado na noite anterior, abri a grade escondida entre os galhos secos. Do outro lado, um jardim adormecido se revelou. As árvores, despidas pelo inverno, estendiam braços nus em direção ao céu cinzento. Apesar da aparência de abandono, consegui imaginar como seria aquele lugar quando tomado pelo verde e pelas flores — quase conseguia ouvir o som das folhas e sentir o perfume que um dia existira ali.

Havia estátuas de deusas gregas, cobertas de musgo, repousando silenciosas entre a vegetação morta. Um pequeno lago espelhava o céu turvo, cortado por uma delicada ponte de madeira que levava a outro lado do jardim, onde os caminhos se perdiam no horizonte.
Atravessei a ponte e, ali, coberto por folhas secas, encontrei um antigo balanço.

E foi naquele instante que percebi: aquele jardim não estava morto. Apenas carregava o silêncio e a palidez do inverno. Meus olhos então pousaram sobre um pequeno ponto verde, discreto, um brotinho teimoso que desafiava o frio. Um ponto de alegria nasceu em mim. Ajoelhei-me, retirei com cuidado os galhos secos ao redor e deixei-o respirar.

Logo, vi outros. Pequenos sinais de vida escondidos aqui e ali, como segredos verdes esperando serem descobertos. E assim, a cada manhã, após o café, corria até ali. Era como se o jardim me chamasse.

Até que um dia...
No caminho, vi um menino.

Alto, pele alva, cabelos lisos e negros. Os olhos, de um azul tão profundo quanto o céu antes da tempestade. Mesmo sob o frio cortante, suas bochechas estavam coradas, como quem havia esquecido o protetor solar num dia de verão. No ombro, equilibrava-se um corvo negro. O animal, atento, percebeu minha presença e começou a chiar.

O menino fez sinal para que eu me aproximasse. Hesitei, mas fui.

— Olá.
— Oi.
— Pode tocá-lo, ele não morde.
— Mas... corvos não são ariscos?
— Não. Na verdade, são criaturas doces. As pessoas é que os temem pela aparência.

Hesitante, estendi a mão, mas recuei. Então ele, com gentileza, segurou minha mão e a pousou na cabeça do corvo, que se manteve imóvel, como se aprovasse o gesto.

— Ele tem nome?
— Tem. Chama-se Bob. E você?
— Sou Mary. Você deve ser o Dicon, certo?
— Isso mesmo.

— Dicon, você entende de jardins?
— Entendo. Gosto das plantas. Elas têm corações puros e doces.
— Então você sabe como ajudar brotinhos a crescer, certo?
— Certo.
— Então venha comigo!

Peguei-o pelo punho e o puxei pelo caminho.

— Promete que não vai contar a ninguém?
— Prometo.

Ao atravessar a grade, os olhos dele brilharam.

— Este jardim, na primavera, terá tantas flores que seus olhos não saberão para onde olhar... e seu nariz vai se perder em tantos cheiros.

Sorri. Era como ouvir poesia. Ele prometeu trazer novos brotos pela manhã.

Chegou a hora do almoço.
Mas algo estava diferente. Fui chamada para almoçar na sala de jantar, junto com meu tio. Ele estava lá, sombrio, sentado na ponta da mesa. Permanecemos em silêncio por quase todo o tempo — um silêncio denso, até que, já na sobremesa, ele quebrou.

— Me desculpe pelo nosso último encontro. Fiquei... espantado com seus olhos.
— O que têm os meus olhos?
— São exatamente iguais aos da minha falecida esposa. O jeito de olhar... e os cabelos, rebeldes, com franja... do mesmo modo que ela usava.
— Não me lembro de ter conhecido a sua esposa.
— Depois do almoço, venha comigo até o meu escritório.

Assim fiz. No escritório, ele abriu uma gaveta e tirou algumas fotos. Meu coração quase parou ao ver.

— Essa é minha mãe!
— Não, Mary... essa é a minha esposa. Irmã gêmea da sua mãe.

Ele então me entregou outra fotografia. Duas mulheres, sorridentes, em belos vestidos, num balanço antigo. A semelhança entre elas era perfeita.

— Ela era muito bonita.
— Era. Eu a amava tanto...
— Ela faleceu há muito tempo?
— Há quatorze anos.

Hesitei, mas tomei coragem.

— Posso lhe fazer um pedido?
— Claro.
— Eu... eu poderia ter uma parte do jardim? Qualquer cantinho.
— Pode sim.
— Obrigada, senhor.
— Me chame de tio, por favor.
— Claro, senh... Tio. Boa noite.

Sai dali radiante. Enquanto subia para o quarto, ouvi um som abafado. Um gemido, um choro de dor. Assustada, segui o som até uma porta. O som vinha forte de lá dentro.
Empurrei-a devagar e encontrei um menino encolhido na cama, aos prantos.

Cabelos ruivos, olhos verdes. Pálido, como se jamais tivesse sentido o calor do sol. Mas os lábios... eram vermelhos como morangos maduros. Aproximei-me devagar.

— Quem está aí?
— Sou eu.
— Eu? Não te conheço.
— Moro aqui.
— Eu também. Aliás, sou dono deste lugar.
— Por que está chorando?
— Estou com dor.
— Onde?
— Na perna.
— Deve ser de ficar deitado de mau jeito.
— Não... é que... sou doente.
— Que pena... qual é o seu nome?
— Colin. E o seu?
— Mary.
— Você é bonita... parece com a minha mãe. Quantos anos tem?
— Quatorze.
— Eu também! Acho que conheço você.

Curioso, apontou para uma cortina.

— Veja... puxe-a.

Obedeci. Ali, na parede, estava uma fotografia antiga. Minha mãe e sua irmã — cada uma com um bebê no colo. Um deles tinha um lacinho vermelho na cabeça.

— Está vendo o bebê de laço? É você. E o outro... sou eu.

Fiquei estática.

— Então... você é meu primo?
— Sim.

Nesse momento, ouvimos passos e um barulho do lado de fora. Corri para o meu quarto, atirei-me na cama — e adormeci, como quem carrega consigo mais segredos do que sonhos.

O jardim secretoOnde histórias criam vida. Descubra agora