Acordei com gritos vindos do andar de baixo.
Eu já sabia de quem eram — Colin.
Estava acostumada a ouvi-lo chorar, mas naquela manhã, era diferente. Ele se esgoelava, gritava coisas que não faziam o menor sentido.
Fui até a ponta da escada e vi Medlock correndo com panos e uma máscara no rosto. Sem pensar muito, segui em direção ao quarto de Colin.Quando cheguei lá, encontrei uma cena deplorável — Colin esperneava, um dos homens do meu tio tentava contê-lo enquanto tirava sua camisa, Medlock pedia para ele se acalmar e Marta chegava com água quente para dar-lhe um banho.
Foi então que resolvi me meter.
— COLIN!
Ele parou de gritar. Todos se viraram pra mim.
— Por que você está gritando tanto?
— EU VOU MORRER! — ele berrava.
— Você não vai, não.
— VOU SIM! TEM UM CAROÇO NAS MINHAS COSTAS! VOU FICAR CORCUNDA E MORRER!Me aproximei decidida.
— Vamos ver então.
Subi suavemente em suas costas nuas, passando a mão devagar para sentir o tal "caroço".
— Colin... não tem caroço nenhum. Só os seus ossos, que estão mais salientes porque você está magro. Mas não tem nada aqui. Você está tão saudável quanto eu.
Ele ficou em silêncio, depois disse:
— Então por que meus lábios são pálidos e a minha cara parece de fantasma, enquanto os seus são vermelhos como uma maçã?
Sorri de leve.
— Acho que é porque você nunca toma sol. Você precisa sair lá fora.
Medlock, horrorizada, se intrometeu:
— De jeito nenhum esse menino vai lá fora! A saúde dele é frágil, se sair, pode morrer! E saia de cima dele agora! Você é pesada, pode quebrar um osso do menino!
Fiquei vermelha, não pelo fato de estar ali, mas pelas palavras dela.
Colin, rápido, rebateu:— Eu não acho a Mary pesada. Ela está no peso normal pra uma garota de 14 anos.
Saí de cima dele com os olhos marejados, envergonhada. As palavras de Medlock ecoavam na minha cabeça. Corri para o meu quarto, me joguei na cama e chorei, sentindo o nó no peito apertar.
Só havia um lugar capaz de me acalmar: o jardim.
As lágrimas ainda caíam quando cheguei lá e, ao me ver, Dicon correu até mim.
— Mary, o que aconteceu?
— Nada demais, Dicon.
— Se não tivesse acontecido nada, você não estaria chorando.Hesitei.
— Dicon...
— Sim?
— Você... você me acha gorda?Ele pareceu surpreso.
— Mas que pergunta é essa, Mary? Claro que não.
— Tem certeza?
— Sim! Você é completamente normal... e bonita. Assim como está.O encarei surpresa, tocada pelas palavras.
— Quem te fez pensar isso?
— Medlock.Ele suspirou, depois disse com ternura:
— Não ligue pra essas bobagens, Mary. Medlock é amarga porque nunca foi feliz. Quando vê alguém radiante como você, quer apagar esse brilho.
Ele me abraçou de lado e eu me senti segura ali.
— Obrigada, Dicon. Você é um cavalheiro.
— É o mínimo que um garoto deve fazer por uma dama.
— Você acha que eu sou uma dama?
— Claro. Você é a imperatriz do jardim.Sorri, e naquele instante, me senti melhor.
Foi então que o sino do almoço soou. Num impulso, dei um leve beijo na bochecha de Dicon e corri. Quando olhei pra trás, vi ele parado, com uma expressão engraçada e a mão sobre o lugar onde o beijei.
Ele era tão fofo...
Eu nunca tinha sentido nada parecido por nenhum garoto na Índia — eles eram metidos, só se importavam com seu ouro e seus elefantes. Mas Dicon... Dicon era diferente. Ele sabia como tratar uma garota — ou melhor, uma dama, como ele dizia.
Diferente de Colin, que só se importava com o próprio umbigo.

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O jardim secreto
FantasiaMary Lennox é uma jovem garotinha que perdeu seus pais em um trágico acidente na Índia. Após essa perda, ela é enviada para a Inglaterra, onde vai morar com seu tio em um imenso e misterioso castelo. Lá, Mary descobrirá segredos escondidos, fará nov...