Gabriel

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" (Tell'em, tell'em, tell'em, tell'em your—)
I've been going somenthing
One-thousand eight-hundred and 55 days. "
—Kendrick Lamar; United In Grief.


Era um dia quente, tipo aqueles que deitávamos no chão para nos refrescar; eu havia acabado de chegar da escola e mamãe terminava de arrumar a casa, de modo que ainda não havia me dado banho.

Estava sentado a mesa, usando gizes de cera coloridos para desenhar até que uma batida soa na casa pequena.

O som constante da vassoura para por instantes. —Pode atender para mim, nego? — mamãe grita de algum cômodo.

Rolo o giz vermelho entre os dedos, ficando na ponta dos pés para girar a maçaneta de latão. Duas pessoas mais velhas esperavam, um homem e uma mulher; o homem usava uma calça caqui e um boné de aba reta, já a mulher usava um vestido de malha floral, em suas mãos estava uma embalagem que combinava com seu vestido.

Os dois me encaravam com espanto.

—Deus, é ele? Será que é ele Zé?

—Tem de ser, Esther.

—Filho? — mamãe chega atrás de mim e apesar de estar de costas, sei que ela secava as mãos na regata desgastada que ela usava nos dias de faxina.

—O que vocês estão fazendo aqui? — mamãe pergunta, seu tom igual a quando ela me pegava fazendo alguma traquinagem. —O que querem? — diz enquanto puxava meu braço.

—Viemos visitar filha! — o homem diz.

Filha? Esse homem podia ser meu vovô? Deus sabia o quão animado eu poderia estar! Meu coração deu alguns saltos erráticos.

Mamãe bufa e me arrasta mais, até que esteja atrás dela. —Por que? — ela solta meu braço e dá um passo a frente. —Depois de cinco anos?

O homem lambe os lábios e passa as mãos pelo cabelo castanho e na luz fraca que escapava entre os tijolos, suas unhas brilham, e eu penso que é com a base que mamãe gostava de passar nas suas unhas. —O padre Josias-

—Claro! — mamãe grita e eu me encolho. Ela nunca gritava. —Padre, igreja, Deus e os céus! É 'purisso que vocês viriam, pra não irem pro inferno!

—Acalme-se Julietta! — a mulher grita e passa a mão pelo rosto enrugado, borrando um pouco o batom nude que usava. —Deus, o que houve com você filha?

—Eu amadureci. — ela cospe. —Eu tive um filho e tive que crescer, junto com ele.

O homem paralisa, antes de passar as unhas pela barba. —Podemos entrar Julietta?

—Por favor. — a mulher pede e parece eu quando quero pedir um brinquedo pra mamãe. —Trouxemos um presente para ele. Queremos conhecer nosso neto.

Mamãe se vira e me agarra no colo, indo até o nosso sofá áspero e se sentando. 

Os outros dois entram e ficam em pé, tão rígidos quanto a minha turma quando fazíamos as orações e cantávamos o hino nacional. Chuto minhas pernas e os encaro, meus olhos pousando na embalagem colorida.

A mulher, Esther, sorri e se aproxima, sentando ao nosso lado e estendendo. —É para você, meu filho.

Eu sorrio e agarro, meus dedos se atrapalhando ao rasgar o papel.

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